19 de abril de 2024
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Artigo aborda com maestria os gargalos do turismo nacional

Nosso blog opta por textos curtos, diretos, como devem ser as mensagens deste tipo de mídia.
Mas vale a pena reservar alguns minutos (muitos minutos) para ler o texto abaixo (apesar de muito longo) publicado no site Hoteliernews.
“A matéria da TV Globo sobre a falta de segurança nos aeroportos brasileiros, veiculada no Fantástico de 09/01/2011, soma-se a uma longa série de denúncias e reportagens sobre a má qualidade da infraestrutura turística brasileira: aeroportos congestionados; equipamentos ausentes, desatualizados ou inoperantes; falta de vontade política dos órgãos auxiliares (Receita e Polícia Federal, Infraero) para facilitar a vida dos passageiros e tripulantes e incrementar a qualidade de seu serviço; truculência e arrogância dessas autoridades; incompetência sistêmica com resquícios de autoritarismo da ditadura militar (1964-1985); obscurantismo administrativo, cegueira situacional e incompetência operacional.
Isso tudo se repete em portos, fronteiras internacionais rodoviárias (nos dois lados das fronteiras), emissão de passaportes e em uma série de problemas e transtornos que acometem os usuários e profissionais ligados aos setores de viagens e turismo. Ainda persiste uma certa aura de preconceito e ignorância em relação ao turismo neste país.
É evidente que os sucessivos governos (federal, estaduais e até municipais), nas últimas décadas, têm a responsabilidade por essa situação que só agora é mais intensamente denunciada pela mídia. A preocupação se dá por causa da aproximação dos mega-eventos e, talvez, da escala absurda que a situação atingiu após a crise aérea (2006-2007), ainda não totalmente debelada.

Mas há outros responsáveis por essa situação, seja por omissão, seja por cumplicidade movida por interesses econômicos ou políticos. A outra parte responsável é o trade turístico em geral (com notáveis exceções): companhias aéreas, agências de viagens, operadoras, consolidadores, hotéis, restaurantes, transportadores terrestres e marítimos, órgãos representativos de classe, terceiro setor e outras instâncias da sociedade civil organizada, inclusive a academia que muitas vezes se omitiu ao invés de exercer seu papel de crítica científica fundamentada em metodologias transparentes e eficazes.
Esse é um dos piores pecados de omissão, pois a academia tem por obrigação pesquisar e se aprofundar nos problemas. Felizmente têm surgido trabalhos (dissertações, teses e artigos) com maior teor crítico e lúcido para tratar dessa problemática e denunciar os equívocos e lacunas.

Existe, historicamente, uma omissão e uma mentalidade de bajulação em relação às autoridades e às instâncias oficiais (governamentais) ou representativas por parte do trade turístico, algo também encontrado em outras áreas profissionais. Pouquíssimos criticam e denunciam os problemas, muitas vezes pelo medo fundamentado de represálias, mas em geral a omissão é por acomodação ou falta de mentalidade crítica.
Eu só escrevo isso porque estou em uma universidade pública onde a liberdade responsável de expressão é valorizada. Se eu fosse de uma empresa privada ou do terceiro setor certamente sofreria pressões ou punição pelas minhas palavras, aliás, na época da crise aérea tive textos censurados em parte da mídia. Hoje a presidente da República repete argumentos que poucas pessoas expressavam em 2006. É por isso que nosso setor ainda é fraco e complacente, consequentemente não consegue ser respeitado como deveria.
Nosso país e nosso setor vivem de alguns mitos mal estruturados, pretensas “verdades” que poucos ousam questionar. O resultado prático dessa falsa consciência é um serviço ruim, falta de visão estratégica e perda de lucratividade e competitividade no setor. Em muitos casos as pessoas usam falácias ou até mentiras para justificar posições anacrônicas e visivelmente prejudiciais – ou ineficazes – para viagens e turismo. Não existe uma discussão em alto nível na qual diferentes opiniões e pontos de vista sejam respeitosamente explanados pelos diversos grupos, mas tenta-se um falso e hipócrita consenso, fundamentado em bases falseadas ou corrompidas. É a bonomia (credulidade, ingenuidade) ou a má-fé que movem esses argumentos rotos, insensatos e até ridículos que saem das bocas ou dos textos de muitos empresários ou representantes de classe. Nosso setor é cheio de tabus arcaicos, de fábulas de moral ruim e de temas que não “ficam bem” se discutidos publicamente. A quem beneficia essa falta de visão? A ninguém, talvez a uma minoria que ainda se locupleta com antigos privilégios que estão em vias de extinção.

Muitas dessas pessoas são agressivas e tentam fazer valer seus pseudo-argumentos com fatos distorcidos ou ameaças veladas. Esses grupos fazem parte do passado morto, que se assusta perante o futuro regenerador de um trade mais competente, competitivo, produtivo e eficiente, porque mais participativo e dotado de sólidos conhecimentos técnicos e administrativos. Em sua desfaçatez, afirmam o direito de defender seus interesses particulares. Então, os críticos também têm o direito de defender seus interesses, principalmente se esses princípios trarão melhor qualidade de serviços para os passageiros e profissionais da área.

Não temos mais tempo para tergiversar sobre os reais problemas do turismo brasileiro. Ainda sobra ignorância e preconceito em nossas hostes, ainda há feudos de estultícia no nosso empresariado e em vários órgãos de classe. Enquanto não houver um debate maior, mais amplo e profundo entre os diversos grupos que formam esse trade, ele sofrerá de incapacidade regenerativa e de cegueira situacional, alguns dos piores defeitos que uma instituição pode ter.

Em minhas viagens pelo país, no corpo-a-corpo com dirigentes e profissionais, ainda me admiro em ver e ouvir pessoas que deveriam representar o presente e o futuro com equilíbrio e responsabilidade, proferirem argumentos incoerentes, superficiais ou fora de contexto – ou até mentiras – para tentar preservar seus interesses particulares e mesquinhos.

Darei alguns exemplos, tanto do setor privado como público, para deixar claro o que estou argumentando:
1. A Varig, Transbrasil e Vasp foram algumas das vacas sagradas que deveriam ter falido rapidamente por sua própria incompetência e ficaram (principalmente a Varig) em pendências jurídicas extensas, até caírem de podre. Não faltaram argumentos tortuosos que defendiam a “nossa” Varig. Nunca foi “nossa” e sim de um grupo que dela se beneficiou até matar a galinha dos ovos de ouro. Muita gente no trade sabe disso, mas foi um tabu em vários ambientes;
2. Senhores agentes de viagem, qual parte da frase “a comissão das companhias aéreas vai acabar” vocês não entenderam? Há populistas e demagogos que ainda defendem a comissão sabendo que é uma luta perdida, mas não querem perder votos de seus associados. O mercado ficou nas mãos dos consolidadores e da Internet, restando às agências que sobreviverem explorarem nichos de mercado e implementarem o sistema de taxas para prestação de seus serviços;
3. Os hotéis ruins continuam a existir e as pessoas têm escrúpulos de dizer “me hospedei naquele hotel que é uma droga”. Recentemente fiquei num hotel à beira mar, numa cidade bem desenvolvida e com muitos recursos, indicado com toda boa fé por uma colega. Era quase em frente ao mar, mas o apartamento não tinha janela (só uma porta para uma varanda suja e minúscula), havia uma única lâmpada fraquíssima no teto, o chuveiro elétrico funcionava mal e a cama era dura. Reclamei e queriam me trocar para um outro quarto onde as camas eram de … colchão de molas!!! E acham isso normal. Saí dali e fui para um hotel decente onde me senti no paraíso, esse outro hotel maravilhoso chama-se Íbis. Há cidades que possuem hotéis (até redes locais) onde prima a falta de qualidade, incompetência e descaramento ante os clientes, funcionários e fornecedores. Você sabe muito bem de quem estou falando, pois essas excrescências ainda estão por todo lado;
4. Para não dizer que não falei do meu quintal, em algumas instâncias da academia (universidades ou faculdades com cursos de turismo e hotelaria) há outro mito nefasto que é o da regulamentação da profissão do turismólogo. Isso é uma bobagem e um absurdo, mas ainda é repetido por alguns para enganar os jovens estudantes e criar a fantasia de que, um turismo regulamentado garantiria mais facilmente um emprego. Não garante, simplesmente porque administradores e advogados, por exemplo, são profissões regulamentadas e ninguém tem nada garantido, aliás a maioria dos egressos dos cursos de direito nem é aprovada nos exames da OAB e a imensa maioria reprova nos concursos públicos de magistrados. As profissões em turismo e hospitalidade não são regulamentadas em nenhum lugar do mundo e o obscurantismo resiste em raciocinar como pode uma área, com tantas funções e ocupações, ser regulamentada. A respeitabilidade e reconhecimento da sociedade e do mercado com os novos profissionais, egressos ou não das universidades, passa pela competência e conhecimento profundo e não por uma regulamentaçãozinha para garantir um empreguinho. Sugere-se mais estudo e menos demagogia;
5. Durante anos quase todas as companhias aéreas (isso não é só no Brasil) relaxaram ao máximo sua atenção para com os passageiros. Atrasos, cancelamentos, mau serviço em terra e à bordo, descaso, falta de informação e assistência para resolver os problemas criados por elas mesmo, tudo isso floresceu como mato em pasto fértil depois da chuva. Voei numa dessas companhias “low fare” na qual o banheiro do B737 (velho) estava remendado com adesivo. Tirei fotos e fiz uma postagem no meu blog. É uma das postagens mais acessadas. Recentemente a ANAC resolveu endurecer com as companhias para evitar a escalada da baderna. As desculpas das empresas são as mais variadas, algumas factíveis, outras servem apenas para encobrir a má gestão e a falta de planejamento face ao crescimento do setor;
6. O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo onde a responsabilidade última da gestão do sistema aéreo comercial está nas mãos dos militares. As forças armadas não estão aí para administrar esse tipo de problema e sim para tarefas macro-políticas estratégicas como defesa e segurança nacionais, auxílio em catástrofes ou em caso de conflitos internos ou externos. Recentemente a presidente reconheceu que o sistema precisa sair do Ministério da Defesa e ir para outro Ministério (Transportes, talvez). Mas a resistência de alguns militares e civis é forte porque não querem perder seus privilégios, isso tudo depois do reconhecimento público da ineficiência do sistema nos seus mínimos e grandes detalhes, do tático ao estratégico, da gestão ao operacional. Recentemente falei isso numa palestra e logo veio o arcaico representante do trade turístico defender a situação atual com argumentos absurdos e fora de contexto, demonstrando que realmente não conhece – ou não quer reconhecer – a grave situação por que passa o sistema comercial aéreo nacional. Espero que a vontade política da presidente prevaleça sobre o entulho de benesses espúrias e garanta a modernidade em nossa aviação comercial;

7. Os portos continuam ruins, apesar da costa brasileira receber dezenas de navios boa parte do ano. As máfias portuárias são outro núcleo duro de resistência que sucessivos governos não conseguem romper. Basta ver as várias matérias comparando portos brasileiros com portos estrangeiros (Holanda, Dubai, Cingapura, Japão, Caribe, Estados Unidos, Canadá…) para ver a vergonha do nosso péssimo serviço portuário.
Felizmente o turismo brasileiro avançou em outras áreas, melhorou muito a partir de meados da década de 1990 (especialmente depois da criação do Ministério do Turismo). Mas ele ainda não tem os altos níveis de competitividade internacional, justamente pelos fatores acima citados e por outros motivos, que variam geográfica e culturalmente. É importante que aumentemos o nível e a qualidade das discussões no campo de viagens e turismo, que sejamos claros e transparentes quanto aos problemas para que eles possam ser compreendidos, equacionados, resolvidos ou minimizados. Precisamos passar para um patamar mais elevado de qualidade e eficiência para sermos viáveis em um mundo altamente competitivo. Temos condições para fazê-lo, pois outros setores de nossa economia (petróleo, mineração, indústria em geral, agricultura) evoluíram e atingiram padrões de desempenho internacionais, tornando-se referências globais.
Para atingirmos níveis satisfatórios nos próximos anos e garantirmos maior qualidade nos megaeventos que chegam ao país, é preciso destruir os falsos mitos, enterrar os dinossauros da ineficiência, promover a lucidez, a seriedade intelectual e a responsabilidade profissional. Dessa forma faremos as mudanças necessárias. Chega de conversa mole para preservar velhos privilégios de alguns ociosos retrógrados. É preciso um trade forte e respeitado para crescer e cobrar com mais eficiência, dos vários governos, tudo aquilo que a área merece e acabar com a ignorância e com os preconceitos. Para isso os mega-eventos serão uma grande motivação. O turismo brasileiro será outro, em 2017. Prepare-se para mais mudanças nos próximos anos. Convença-se de que as coisas ruins do passado devem desaparecer e seja um ator (ou atriz) de sua história, do seu futuro, e participe da construção de um turismo mais maduro e profissionalizado”.



*Luiz Gonzaga Godoi Trigo é escritor, pesquisador e professor associado à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

2 thoughts on “Artigo aborda com maestria os gargalos do turismo nacional

  • Bruno

    “Uma hora ganha em um recurso gargalo, é uma hora ganha no sistema global.
    Uma hora ganha em um recurso não gargalo, é apenas uma miragem”

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  • alexandre-rn

    nao escreveu nenhuma novidade.
    tudo isso resume-se em INCOMPETENCIA GESTORA.
    Falta vergonha na cara dos gestores de endireitar essa esculhambação genralizada.
    E tudo vai continuar do mesmo jeito.
    Ja to achando que o Brasil nao tem mais jeito.
    O negocio e partir pra ignorância.

    Resposta

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