19 de abril de 2024
Diversos

Desembargadora carioca pede desculpas por ofensas contra professora potiguar e vereadora assassinada no Rio

A desembargadora Marilia Castro Neves, do Rio de Janeiro (RJ), se envolveu em duas polêmicas recentes:

– Uma por ter feito um comentário ofensivo contra a vereadora assassinada, Marielle Franco. Ela teria dito que a parlamentar “estava engajada com bandidos”.

– Depois vazou um comentário preconceituoso feito pela mesma desembargadora contra a professora potiguar, Débora Seabra, portadora da Síndrome de Down, exemplo para toda a sociedade brasileira, homenageada por várias instituições e reconhecida nacionalmente pela força de superação.

Débora escreveu uma carta à magistrada que o blog publicou no dia 19 de março:

“Recado para a juíza Marília

Não quero bater boca com você!
Só quero dizer que

Tenho síndrome de Down e sou professora auxiliar de crianças em uma escola de Natal (RN).

Trabalho à tarde todos os dias com minha equipe que tem uma professora titular e outra auxiliar.

Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais.

Eu estudo o planejamento, eu participo das reuniões, eu dou opiniões, eu conto histórias para as crianças, eu ajudo nas atividades, eu vou para o parque com elas. Acompanho as crianças nas aulas de inglês, música e educação física e mais um monte de coisas.

O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo pra acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso.

Débora Araújo Seabra de Moura”.

Marilia Castro Neves respondeu a carta de Débora, pedindo desculpas pelas agressões e aproveitou também para estender a memória de Marielle Franco.

“Prezada professora Débora,

Estou escrevendo para agradecer a carta que você me mandou e lhe dizer que suas palavras me fizeram refletir muito. Bem mais do que as centenas de ataques que recebi nas últimas semanas. Desculpe a demora na resposta, mas eu precisava desse tempo.

Tenho sofrido muito desde que fui atropelada pela divulgação de comentários meus, postados em grupos privados –restritos a colegas da magistratura. Mas alguém resolveu torná-los públicos. Alguns haviam sido postados há tanto tempo que eu nem me lembrava deles. A repercussão foi imensa.

Desde então, decidi me recolher. Chorei, fui abraçada e pensei muito.

E, de tudo que li e ouvi a meu próprio respeito, foi de você, de quem em um primeiro momento duvidei da capacidade de ensinar, que me veio a maior lição: a de que precisamos ser mais tolerantes e duvidar de pré-conceitos.

Minhas posições pessoais jamais interferiram nas minhas decisões, conhecidas por serem técnicas e, por isso mesmo, quase sempre acompanhadas unanimemente pelos meus colegas de turma julgadora.

Hoje, contudo, percebi que, mesmo quando meu corpo despe a toga, a mesma me acompanha aonde eu for.

As opiniões pessoais de um magistrado, uma vez divulgadas, sempre terão peso, pouco importando ao tribunal das redes sociais que tenham elas sido ditas em caráter público ou privado e que opinião não seja sentença.

Magistrados também erram e, quando o fazem, incumbe-lhes desculparem-se. Esta carta é justamente isso: um pedido de perdão.

Perdão, Débora, por ter julgado, há três anos atrás, ao ouvir de relance, no rádio do carro, uma notícia na Voz do Brasil, que uma professora portadora de Síndrome de Down seria incapaz de ensinar. Você me provou o contrário.

Aproveito o ensejo para também me desculpar à memória da vereadora Marielle Franco por ter reproduzido, sem checar a veracidade, informações que circulavam na internet. No afã de rebater insinuações, também sem provas, na rede social de um colega aposentado, de que os autores seriam policiais militares ou soldados do Exército, perdi a oportunidade de permanecer calada. Nesses tempos de fake news’temos que ser cuidadosos.

Estendo esta reflexão ao deputado Jean Wyllys. Sempre me oporei às suas ideias e às do PSOL, nada mudará isso, mas é evidente que não desejo mal a ninguém.

Obrigada, Débora, por ter me ensinado tanto”.

Professora Débora Seabra
Professora Débora Seabra