23 de abril de 2024
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Larry Rohter: “Este é o 16º ano do governo FHC”

O blog publica alguns trechos da entrevista concedida pelo jornalista americano, Larry Rohter, a revista Época.

O jornalista americano Larry Rohter, ex-correspondente do New York Times no Rio de Janeiro, ficou célebre entre os brasileiros em 2004, quando quase foi expulso do país por Lula depois de publicar uma reportagem em que dizia que a “predileção do presidente por bebidas fortes estava afetando seu desempenho no gabinete”. Mas a sua relação com o país começou muito antes do episódio, ainda no início da década de 1970, quando conheceu Clotilde Amaral, uma brasileira que estudava idiomas na Universidade de Georgetown, onde ele estudava história e ciência política. Rohter começou a aprender português com Clotilde, que, de professora, tornou-se sua namorada e o trouxe para conhecer o país em 1972. Casaram-se um ano depois, tiveram dois filhos e, do convívio com o país, o jornalista escreveu dois livros. O primeiro, Deu no New York Times (editora Objetiva), lançado em 2008 para o público brasileiro. O segundo, Brazil on the rise (Palgrave Mcmillan) (numa tradução livre, Brasil em ascensão), lançado neste mês, é uma introdução ao país para estrangeiros. “O interesse pelo Brasil já era grande em 2008, quando a editora decidiu fazer o livro, e desde então só aumentou”, diz Rohter. “Já sabemos até que haverá uma edição do livro em chinês.”

Nesta entrevista, concedida por telefone do escritório de sua casa, em Hoboken, região metropolitana de Nova York, Larry Rohter fala da nova obra, da campanha presidencial e do Brasil pós-Lula. O jornalista também revela se o episódio que quase levou à sua expulsão do país alterou sua opinião sobre o Lula como presidente.

ÉPOCA – O seu livro retrata as mudanças políticas, econômicas e sociais do Brasil dos últimos 30 anos. Como o senhor as vê?
Rohter –
De maneira geral, o país está no caminho certo. É preciso acelerar e aprofundar as políticas que levaram a avanços importantes no campo social e econômico. A educação é o gargalo mais sério no futuro próximo. Além disso, saúde, habitação também são importantes. E medidas para dar mais oportunidades para os negros e os pardos.

ÉPOCA – O senhor está acompanhando a disputa presidencial e, em seu livro, faz um perfil dos três candidatos com maior intenção de voto (Marina, Dilma e Serra). Qual a sua visão sobre o cenário político desta eleição?
Rohter –
Eu ia dar um perfil de um quarto candidato, o Ciro Gomes, mas ele saiu da disputa, uma vitória política do Lula. Neste instante, o quadro é muito favorável à Dilma. Marina é uma candidata interessante, mas vejo nas pesquisas que ela não continua crescendo. Chegou a um patamar mais ou menos fixo e, agora, o pouco tempo na TV vai dificultar ainda mais uma subida dela nas pesquisas. Ela tem uma plataforma interessante e representa algo diferente, algo fora do esquema tucanos/PT, mas não passa a um segundo turno, se é que vai haver um segundo turno. Porque é possível que a Dilma ganhe no primeiro.

ÉPOCA – A oposição está tendo dificuldades para eleger seu candidato. O senhor já esperava por isso?
Rohter –
O Serra demorou demais para confirmar a candidatura. E a escolha do vice foi desastrosa. Indio da Costa como vice-presidente do Brasil? O Álvaro Dias tem experiência, ele teria sido um candidato com força no Sul do país. Mas quando comentei com minha mulher que o Serra tinha escolhido o Índio da Costa, ela ficou atônita e me perguntou: “Aquele menino?” E é isso mesmo. Agora, a escolha da Dilma também não foi ótima. O Michel Temer, embora um político experiente, representa o antigo. Ele não é uma manifestação de uma nova política no país. Dos três candidatos a vice, o mais qualificado é o da Marina (o empresário Guilherme Leal). Ele pelo menos tem experiência em dirigir algo. Não sei se o eleitorado pensa muito no vice, mas veja a história do país: muito mais do que os Estados Unidos nos últimos 50 anos, o Brasil tem vivido momentos em que o vice assume a presidência. O Jango, o Sarney, o Itamar. Dados os problemas de saúde da Dilma, temos que pensar nisso e tenho certeza de que os investidores estrangeiros já estão pensando.

O Serra desperdiçou uma vantagem inicial que tinha. Ele realmente é um político experiente, foi senador, ministro, governador, e um economista com muitas qualidades, que entende do Brasil e do mundo. Agora, não quero desprezar a Dilma. Ela é uma administradora boa, que conseguiu pôr uma estrutura, uma disciplina no gabinete do Lula, e ela é uma pessoa inteligente. Mas ela nunca foi candidata a coisa nenhuma, está começando agora. E quando a vejo em um comício, ou num debate, parece que ela ainda não se sente confortável. E está carente do calor humano que você vê em candidatos como o próprio Lula e outros presidentes brasileiros como JK ou Getúlio. Ser a indicada do Lula parece que compensa todas as dificuldades. Parece. Estamos em agosto. Vamos ver como vai o resto da campanha.

ÉPOCA – Além dos candidatos, o seu livro destaca o nome de Aécio Neves.
Rohter –
Eu sei que uma aliança Serra e Aécio enfrentava oposição porque representa a aliança dos paulistas com os mineiros e tem gente que acha que é preciso uma chapa mais abrangente. Mas o Aécio é um candidato formidável. O Aécio tem futuro, sim, é claro, mas parece que o partido não sabe aproveitar toda a força que ele representa. Se não me engano, a última pesquisa que eu vi, há uma semana, dez dias, mostrava que a Dilma tinha 60% de apoio em Minas e o Serra, menos de 20%. Claro que ela é mineira. Mas, mesmo assim, um candidato tucano, num Estado em que Aécio é a figura política principal, teria que ter um desempenho melhor, para ganhar.

ÉPOCA – Os estrangeiros estão olhando para as eleições no Brasil?
Rohter –
Ainda não. O que interessa para eles é o resultado: quem vai ser o novo presidente, o que significa para os investimentos, se as mudanças vão ser grandes ou pequenas. No Brasil há apenas um partido de direita, o DEM, e mesmo ele está mudando. Na verdade, no campo ideológico você tende a ver uma convergência. Tanto que eu me lembro que o Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, quando o Lula assumiu, em 2003, queixava-se de que era o nono ano do governo Fernando Henrique. A esta altura, estamos no 16º ano do governo FHC. Porque a política econômica do governo Lula, com o passar dos anos, é cada vez mais social democrata, no sentido europeu. Claro que ainda existem no partido facções e grupos nostálgicos da linha marxista-leninista, mas não são a maioria. Seria interessante ver como eles vão se comportar num eventual governo Dilma. Se ela tem força suficiente para controlar essa tendência dentro do partido. Mas, hoje em dia, os dois partidos mais importantes no país estão ocupando um campo ideológico que se sobrepõe.

ÉPOCA Como o senhor avalia a relação entre o Brasil e os Estados Unidos?
Rohter –
Claro que a relação do governo Lula com o governo Obama não é tão íntima ou calorosa como se esperava, mas o Brasil ainda continua sendo um interlocutar útil, valioso e isso no próximo governo tende a crescer. Acredito que o próximo governo não vai cometer os mesmos erros que o governo Lula cometeu. Como o que aconteceu com a campanha para conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, que prejudicou a relação com Argentina, com México, e não levou a nada. O Brasil fez concessões aos chineses que não foram compensadas.

Em certo sentido, o Brasil entrou na bagunça do Haiti pensando: “Não somos os franceses, não somos os americanos, vamos mostrar como se faz”. Agora está lá ainda sem ideia de como sair. Parte disso é culpa dos EUA e da França, que não cumpriram as promessas de ajuda. Mas às vezes o Lula é confiante demais. Ele vê as coisas de uma maneira simples quando estão complicadas. Ele acha: “O Brasil pode o que os outros não puderam”. E não é assim. No cenário mundial, onde ele tem pouca experiência e pouco conhecimento, as coisas são muito complicadas.

ÉPOCA – Em várias passagens, Lula é apresentado como uma figura anedótica, uma espécie de bobo alegre, fazendo piada de judeu aqui, dizendo que a crise é “problema do Bush”, que é “chique emprestar pro FMI” e que “Pelotas exporta viados”. Não seria interessante mencionar também o episódio em que o senhor quase foi expulso do país por Lula?
Rohter –
Menciono brevemente o incidente com o Lula.

ÉPOCA – Em um parágrafo.
Rohter –
E só vale um parágrafo. Não quero voltar a esse episódio. Foi um espasmo autoritário do presidente e foi contornado. As instituições brasileiras funcionaram como devem funcionar e fui poupado da expulsão que o governo buscava naquele momento. Não sofri represálias. Ainda estou em contato com elementos do PT.

ÉPOCA – Mas o episódio alterou a sua avaliação de Lula como presidente?
Rohter –
Não. Inclusive, neste novo livro, tenho uma visão muito equilibrada do Lula. Reconheço os méritos do governo dele. Na verdade falo de um ciclo de 16 anos – FHC e Lula. O Lula não é um intelectual, mas ele teve a astúcia e a inteligência de ver o valor e a utilidade das mudanças que o governo Fernando Henrique fez e de construir algo usando aquelas mudanças como base. O Lula é um grande político, não tem como negar, não pretendo negar, não quero negar. Mas ele não é intelectual. Ele é mais do estilo Bush.

ÉPOCA – Mas, em termos de carisma, é possível dizer que Obama está mais para Lula do que para FHC, não?
Rohter –
Obama é carismático, sem dúvida, mas é um grande orador e é um intelectual. Então ele difere do Lula. O Lula é um grande orador, mas o estilo dele é mais popular. O Obama consegue despertar esperança, paixões e as mistura com ideias complicadas.

ÉPOCA – O que, na sua opinião, vão representar a Copa de 2014 e os os Jogos de 2016 para o Brasil? Estando fora do Brasil, o que se espera do país como sede desses eventos?
Rohter –
É a chance de projetar o país como potência emergente. Vejo oportunidades e perigos. A advertência que a Fifa fez agora sobre os estádios deve ser levada a sério. Fui bastante crítico dos Jogos Panamericanos porque o Rio fez promessas que não cumpriu. Prometeu construir novas estações do metrô, por exemplo. Mas quando o país faz uma promessa e assina um contrato, tem que cumprir. Senão, a credibilidade do país sofre. Daí o perigo. Com a Copa e as Olimpíadas, você está lidando com outros países, outros povos, que têm outros valores e padrões. E eles vão ficar nervosos se tudo ficar para a última hora. Então é bom começar logo para evitar problemas e constrangimentos. Claro que entendo que estamos em campanha eleitoral e isso acaba postergando contratos e decisões.

ÉPOCA – A violência brasileira está sendo vista como um problema pelos estrangeiros?
Rohter –
A questão da violência vai ficar cada vez mais importante lá fora. É inevitável que em reportagens sobre episódios de violência no Rio, no quarto ou quinto parágrafo, haja menção ao fato de que a cidade vai ser sede dos dois eventos. Tem incidentes que realmente marcam as pessoas. Para mim foi a morte daquele menino João Helio. Até hoje fico pensando no caso dele, na família dele. Não existe um perigo real viver a cada momento no Rio, mas existe uma preocupação que tira algo do brilho da Cidade Maravilhosa. Conheço pessoas aqui que vão visitar o Brasil e não pretendem ir para o Rio porque já ouviram tantas histórias… Eu digo que é exagero, mas tem que tomar cuidado, é claro.

ÉPOCA – Não nos recordamos, aqui na redação, da suspeita de compra de votos de jurados no Carnaval do Rio na vitória da Vila Isabel com um enredo sobre a Venezuela governada por Hugo Chávez.
Rohter –
A imprensa carioca especulou sobre a compra de votos. Eu era correspondente na Venezuela e vi especulação na imprensa lá e, além do mais, tenho parentes que moram na Vila Isabel. Mas confesso que eles são do Salgueiro. Mesmo assim havia especulações sobre isso.

ÉPOCA – Sabíamos da especulação em 2007, quando a Beija-Flor foi campeã.
Rohter –
É, também.

ÉPOCA – Quais são as chances de, daqui a dez anos, o senhor escrever o livro The Rise and Fall of Brazil (A ascensão e a queda do Brasil)?
Rohter –
O Brasil está subindo, como diz o título do livro. O país chegou a outro patamar. O perigo não é cair, mas haver uma estagnação, deixar de subir com a mesma velocidade. A ideia de um Brasil quinto poder daqui a dez, quinze anos não é irreal. Depende de vocês. É uma aspiração lógica. O país está em uma fase bem diferente de sua história. Eu sou otimista. Nesse sentido sou brasileiro.

Quem desejar visualizar a entrevista completa, clique no link abaixo:

http://bit.ly/cGYyQm