23 de abril de 2024
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Para o Juiz de Mossoró, Francisco José Júnior está impedido de disputar a reeleição em 2016

Artigo escrito pelo Juiz de Mossoró, Herval Sampaio:

Será que é razoável que alguém possa se utilizar duas vezes de uma exceção clara prevista constitucionalmente como tal?

Inicialmente, é bom frisar de plano, como entendimento pessoal deste subscritor, que o assunto que endossa o presente texto em contraponto ao artigo de nosso amigo e colega editor do site www.novoeleitoral.com Márcio Oliveira (Eleições suplementares e reeleição: presidente da câmara eleito pode ser reeleito) só tem razão de ser em face da possibilidade de reeleição, a qual sinceramente é um dos institutos que deviam ser expurgados em uma verdadeira reforma do sistema político brasileiro, a qual a sociedade espera com muita ansiedade e que não tenho dúvidas que nessa reforma acabaremos com esse famigerado instituto, que apesar de teoricamente ter um lado positivo, na prática se constitui como um repositório clássico de casos de abuso do poder político.1

Entretanto, esse assunto com viés destacado fugiria ao objetivo do texto, logo enquanto esse momento esperado não chega, resta-nos a análise da possibilidade ou não de um chefe do Executivo, em especial no âmbito municipal, que por força do exercício inicial do cargo em decorrência de decisão judicial, por ocupação do cargo de Presidente da Câmara Municipal, em se elegendo em uma suplementar, de concorrer mais uma vez se utilizando da exceção de permanência no cargo para o qual concorre.

De plano, divergindo de meu colega, respondo que não, pois em se permitindo como o texto citado, na linha da jurisprudência do TSE, em caso idêntico ao aqui trazido em abstrato, aduz teríamos a esdrúxula situação em que a pessoa concorria duas vezes permanecendo com a possibilidade real de uso da máquina estatal, a qual a própria Constituição pela expressão único período subsequente deseja ver preservado.

Com todo respeito, a análise foi feita com viés meramente de interstício e de compreensão do período do mandato, se seria um novo ou continuidade. Para nós essa interpretação é irrelevante por esbarrar na essência do que seria a própria reeleição e as suas consequências, como destacaremos no decorrer do texto, trazendo antes algumas considerações introdutórias e outras jurisprudências da próprio TSE que colidem materialmente com as trazidas no texto que estamos nos contrapondo.

Para tanto, é imperioso registrar que ao longo desses últimos anos, quando ocorrente eleições suplementares, como é o caso que estamos tratando, justamente em face do que prescreve o artigo 224 do Código Eleitoral, sedimentou-se o entendimento de que o Presidente da Câmara Municipal, na função de interinidade como Prefeito, não precisa se desincompatibilizar, justamente porque só pode se candidatar uma vez, ou seja, a sua candidatura é compreendida como reeleição para um único período subsequente.

Nas ultimas eleições municipais que presidimos em companhia de uma colega, nos debruçamos sobre essa situação em um cenário diferente do que ora fazemos, pois naquela oportunidade havia um pedido de impugnação de registro de candidatura de um Presidente de Câmara Municipal ao cargo de Prefeito, por não ter se desincompatibilizado e claramente entendemos que não havia obrigação de afastamento, por encamparmos a tese que ora esposamos.

Com todo respeito que temos aos que propugnavam a necessidade de afastamento, a mesma não merece prosperar, pelas razões a seguir enunciadas. Vimos que toda a celeuma reside em saber se a candidatura do Prefeito interino por força de decisão judicial é a 1ª eleição ou se se considera reeleição. Para nós, se a referida autoridade tem intenção em concorrer mais uma vez, acaso venha a ser eleito no processo que concorreu a primeira vez, aí sim precisaria ter de se desincompatibilizar, justamente para não incidir na vedação constitucional que se chama atenção neste texto.

Portanto, devemos entender que o fato de um Prefeito interino ter concorrido sem ter se desincompatibilizado significa que sua pessoa concorreu à reeleição, já que era o prefeito à época do pleito suplementar e realmente não pode enfrentar duas eleições estando à frente do cargo, ou melhor, como dissemos no inicio, não deveria nunca puder concorrer no cargo, já que essa situação, sinceramente, tende à ocorrência de abuso do poder político, tanto é verdade que a própria lei traz várias condutas vedadas a agente público dentro de uma eleição e com certeza tais prescrições se dirigem em específico aos que postulam reeleição e que nesse caso se aplicam a qualquer pessoa que ocupe o cargo de Prefeito, independentemente de sua origem, eis que só se pode realmente se candidatar nessa peculiar situação para um único período subsequente e que nesse caso é justamente a eleição suplementar a qual já se utilizou da exceção constitucional.

A jurisprudência de nosso TSE não faz qualquer distinção na origem da forma que se exerce o cargo de prefeito, e mais, já se manifestou por várias vezes no sentido da desnecessidade de afastamento do interino, sendo imperioso que se registre de plano essa posição jurisprudencial que tão somente se baseia na consolidação do entendimento do TSE. Ora, com o devido respeito a quem pensa em contrario, este é o entendimento pacificado de nossos Tribunais Eleitorais, inclusive capitaneados pelo TSE, o qual, em consulta sobre o tema, afirmou que:

CONSULTA. Governador. Renúncia. Inelegibilidade. Afastamento.
I- O Governador de Estado, se quiser concorrer a outro cargo eletivo, deve renunciar a seu mandato até seis meses antes do pleito (CF, art. 14, § 6º).
II- A renúncia do Governador em primeiro mandato, até seis meses antes do pleito, torna elegíveis os parentes relacionados no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.
III- A renúncia do Governador, até seis meses antes da eleição, torna seus parentes elegíveis (CF, art. 14, § 7º) para cargo diverso, na mesma circunscrição.
IV- Presidente da Câmara Municipal que exerce provisoriamente o cargo de Prefeito não necessita desincompatibilizar-se para se candidatar a este cargo, para um único período subseqüente.
(CONSULTA nº 1187, Resolução nº 22119 de 24/11/2005, Relator(a) Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16/12/2005, Página 200 RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, Volume 17, Tomo 2, Página 387 )

Valioso trecho do voto do Min. Humberto Gomes, Relator da citada Consulta que se adequa a presente situação. Vejamos:

Igualmente afirmativo quanto à quarta pergunta, pois segundo a jurisprudência do TSE:
“RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO QUE, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL, OCUPOU INTERINAMENTE O CARGO DE PREFEITO ENQUANTO NÃO REALIZADA ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. CONCORREU AO CARGO DE PREFEITO NA ELEIÇÃO SUPLEMENTAR (…)”. (REspe nº 18.260/AM, rei. Ministro Nelson Jobim, Sessão de 21.11.2000).
De acordo com § 5º do art. 14 da Constituição Federal, “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”.
Na hipótese aventada na quarta questão, o Presidente da Câmara de Vereadores assume a chefia do Executivo na condição de substituto e, como tal, pode concorrer a um único período subseqüente sem necessidade de desincompatibilização (Cta nº 970/DF, rel Ministra Ellen Gracie, DJ de 10.2.2004).
Com essas considerações, respondo afirmativamente à consulta.

Ora, fica claro que o TSE não leva em conta a condição daquele que foi sucedido, até porque, no caso de novas eleições, temos que esta eleição não guarda relação com a anterior que restou anulada, tratando-se realmente de novo pleito, ou seja, saímos do zero, ou seja, o Prefeito interino pode concorrer sem se afastar do cargo, até pelo fato de que “o titular de mandato do Poder Executivo não necessita de se desincompatibilizar para se candidatar à reeleição” (Consulta nº 970/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 10.2.2004).

Tal entendimento expressado pelo Colendo TSE no seguinte julgado. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. PRESIDENTE DE CÂMARA MUNICIPAL. EXERCÍCIO. INTERINO. CARGO. PREFEITO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ELEIÇÃO. CARGO PREFEITO. DESNECESSIDADE.
1. Esta c. Corte, em recente decisão, definiu que “Presidente da Câmara Municipal que exerce provisoriamente o cargo de Prefeito não necessita desincompatibilizar-se para se candidatar a este cargo, para um único período subseqüente” (Consulta nº 1187-MG, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 16.12.2005).
2. A desnecessidade de afastamento do cargo nesses casos assenta-se no fato de que “o titular de mandato do Poder Executivo não necessita de se desincompatibilizar para se candidatar à reeleição” (Consulta nº 970/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 10.2.2004).
3. Agravo regimental desprovido.
(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 29309, Acórdão de 16/09/2008, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 16/9/2008 )

Diga-se ainda: não guarda relação entre as condições do prefeito(a) afastado(a) que concorria à eleição, com o prefeito interino, que para nós por ter usado da faculdade de não se afastar do exercício do cargo concorreu já à reeleição, dado que ocupando o cargo de Prefeito, ainda que interinamente e, como dito, repita-se, poderia até se desincompatibilizado se quisesse desde já discutir qual sua situação jurídica no futuro, pensando quem sabe em assim proceder justamente para concorrer a uma eleição e depois se eleito concorrer a reeleição.

Desta feita, para nós a jurisprudência é remansosa em apontar a faculdade de um prefeito interino em não se afastar para concorrer à reeleição, contudo no futuro assume no mínimo o risco de ter problemas no que tange a eventual desejo de mais uma vez querer concorrer ao mesmo cargo, pois para nós em que pese a jurisprudência trazida no texto, há uma incongruência substancial entre os julgados, devendo para nós prevalecer a tese que ora esposamos no sentido de vedação de se concorrer duas vezes no exercício do cargo para a qual poderia ter se desincompatibilizado.

Aliás, vale frisar que não existe impedimento, seja constitucional ou infra, para que o Presidente da Câmara de Vereadores, Prefeito interino, sobretudo, nos casos em que esta interinidade se dá por imposição de decisão da justiça eleitoral que decretou a inelegibilidade e a cassação daqueles que ocupavam os cargos de Prefeito e Vice, concorra permanecendo no cargo. Este é o entendimento sufragado de nosso Egrégio TSE. Vejamos:

CONSULTA. PRESIDENTE DE CÂMARA MUNICIPAL. VEREADOR. CARGO DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. RESPOSTA AFIRMATIVA.
1. Inexistência, tanto na CF de 1988, quanto na Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/90), de restrição à plena elegibilidade dos titulares de cargos legislativos (Cta. nº 117-DF, Rel. Min. Walter Medeiros, DJ de 17.5.1996).
2. Vereador, candidato a cargo de prefeito, não precisa se desincompatibilizar do cargo, salvo se se tratar de município desmembrado e se o parlamentar for presidente da Câmara Municipal e tiver substituído o titular do Executivo nos seis meses anteriores ao pleito (Cta. nº 896-DF, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 19.9.2003).
3. Presidente de Câmara Municipal que exerce interinamente cargo de prefeito não precisa se desincompatibilizar para se candidatar a este cargo, a um único período subseqüente (Cta. nº 1187-MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 16.12.2005).
4. Consulta conhecida e respondida afirmativamente.
(CONSULTA nº 1449, Resolução nº 22724 de 04/03/2008, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ – Diário de justiça, Data 25/03/2008, Página 16 RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 2, Página 183 )

Outra questão que deve ser levada em conta, imperativamente, é a razoabilidade dessa alegada necessidade de que um prefeito interino se afaste para concorrer a um pleito suplementar, deixando mais uma vez o cargo vago, gerando nova instabilidade jurídica e administrativa na cidade e é por isso que a jurisprudência aqui repetida em diversos contextos se solidificou e não no sentido de que completou o mandato e agora pode concorrer a reeleição.

Se a tese de afastamento obrigatório vingasse, teríamos que, em todo o pais sempre, ou quase sempre, duas alternâncias de poder, uma quando da obrigação do Presidente da Câmara ocupar o cargo de prefeito por decisão judicial e outra, quando deste ter, obrigatoriamente, de se afastar para concorrer a pleito suplementar, o que é desarazoável. o que, aos nossos olhos e, parece-nos, aos olhos do TSE, não guarda plausibilidade alguma.

Não se pode, portanto, impor ao Presidente da Câmara Municipal que se afaste do cargo de prefeito interino para concorrer em eleições suplementares, mas por outro lado, de modo muito clarividente, em se afastando pode o mesmo concorrer sem qualquer empecilho, o que não ocorre na mesma certeza, por falta de coerência nas jurisprudências colacionadas aqui com as que se trouxe no texto que estamos se contrapondo, pois a tese está aberta, devendo haver enfrentamento da matéria sobre a ótica ora posta e não somente com relação à compreensão de período completado ou não, com todo respeito.

Portanto, para nós o TSE precisa definir de maneira sólida a sua jurisprudência, se manifestando claramente se alguém pode se utilizar do benefício de concorrer, no exercício do cargo de Prefeito, com a possibilidade de utilização da máquina estatal duas vezes, pois sinceramente deixar de analisar essa situação real que está acontecendo é virar as costas ao que chamamos de triste realidade da politicagem brasileira, consoante deduzimos em nosso livro já citado e nos textos http://www.novoeleitoral.com/index.php/en/opiniao/herval/574-politicagem e http://www.novoeleitoral.com/index.php/en/opiniao/herval/576-politicagem2 .

E para arrematar não estamos aqui imaginando nada, estamos tão somente compreendendo a mesma expressão constitucional, único período subsequente, de forma distinta e sobre o viés substancial, ou seja, para nós a Carta Magna não permite que ninguém se utilize da exceção de se concorrer ao Executivo, estando no exercício do cargo, mais de uma vez, em qualquer hipótese, o que por óbvio inclui a de quem ocupa interinamente a prefeitura por ser o Presidente da Câmara Municipal e resolve concorrer ao cargo de forma definitiva, pouco importando se completa ou não o mandado do antecessor, pois como visto poderia ter se afastado do cargo e evitado essa situação e se não o fez, enquanto não definido pelo TSE, com ambas as análises, a questão para nós está em aberto.

A interpretação ora defendida é a que mais se coaduna com a preocupação de se assegurar a lisura do processo eleitoral, pois infelizmente sabemos que a prática demonstrou que o candidato à reeleição, muitas vezes, abusa de seu poder politico para desigualar a campanha e ficar em plena vantagem sobre os demais, logo o objetivo de ser permitir a reeleição que é nobre, ou seja, em se possibilitar a continuidade de um governo que se houve bem cai por terra, já que o benefício em relação aos demais candidatos é indiscutível, pela própria força da máquina estatal e seus cargos e funções comissionadas, que na prática coloca o governante em uma dianteira difícil de ser alcançada.

1 A nossa experiência judicante de quase dezesseis anos como Juiz Eleitoral demonstrou infelizmente que a própria lei que regula os casos de condutas vedadas aos que optam por essa possibilidade e registre-se que praticamente todos querem, é muito difícil de ser cumprida na prática, sendo quase impossível não se utilizar da força da máquina estatal em prol de sua candidatura, o que é um acinte a princípio da isonomia, deixando o postulante que goza desse benefício em clara vantagem e que na maioria das vezes, tal vantagem é irreversível em termos de viabilidade das outras candidaturas, o que por si só, para nós, já faz com que o instituto dentro da realidade da politicagem brasileira se constitua como uma aberração. Para um maior aprofundamento da matéria indicamos o nosso livro http://www.editorajuspodivm.com.br/produtos/jose-herval-sampaio-junior/abuso-do-poder-nas-eleicoes—ensaios-2014/1366.

*HERVAL SAMPAIO JUNIOR é Mestre em Direito Constitucional, Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Estado do Rio Grande do Norte e escritor renomado nacionalmente, com obras publicadas em diversas áreas do direito, inclusive direito eleitoral

“O texto acima é de responsabilidade exclusiva do autor e as opiniões não refletem necessariamente a opinião dos editores do site www.novoeleitoral.com”