A PRIMEIRA AGENDA, A GENTE NUNCA ESQUECE
Um objeto que guardava as informações fadadas as esquecimento, não era conhecido por ninguém na pequena cidade do Agreste.
Não tinha nome.
Seu criador preferiu ficar com o segredo e a fama de ter o dom da boa memória.
Dois milênios antes, os gregos descobriram que o acompanhamento das mudanças no tempo e as fases da lua eram extremamente úteis e precisavam de um mecanismo para manter e ordenar tantos dados.
Considerado o primeiro computador, o Mecanismo de Anticítera foi resgatado dos destroços de uma galera no fundo do Mar Egeu e virou atração do Museu Arqueológico de Atenas.
É provável que tenha sido usado para determinar as épocas de plantio, orientar batalhas náuticas, fazer prestações de contas, precisar as festas religiosas e até guiar os navegantes em viagens noturnas.
O de Nova Cruz, ajudou muita criança a não passar o aniversário em branco.
Todos queriam saber o segredo daquela memória tão privilegiada.
Não deixava passar nenhuma efeméride.
Lembrava de todas as datas importantes. Da cidade e para as pessoas.
Aos casais com relacionamento já no módulo morno, ajudava a reacender a chama da paixão.
Nunca errava a conta de quantos anos, desde a noite inaugural. (Aos mais jovens, uma explicação: houve um tempo que foi assim, antes era exceção às regras dos noivados).
Pais com tantos filhos que não se contavam nos dedos das mãos, tinham todo o direito de não lembrar dos natalícios da miunçada.
E não dava ainda pra confiar nas lembranças do Facebook.
Todo santo dia, antes que o sol esquentasse, saía de casa no oitão da igreja matriz.
Para percorrer a rua grande.
Dispensava as calçadas. Sempre pelo meio que não tinha que dividir com automóveis. Talvez com algumas charretes e carroças. Cumprimentava os amigos do lado da sombra e os do sol.
Aqui e acolá, uma paradinha para dois dedos de prosa. E a informação esquecida por alguns e nunca por ele.
–Tem festa hoje? 23 anos, (ou 18, 31, o que fosse) de casamento merecem comemoração.
O menino, ciente que a mãe, sempre ocupada, ora com o comércio, ora com a política, não ia lembrar, esperava ansioso, a chegada do salvador de aniversários.
Prócer na comuna, fazendeiro, ex-deputado.
Corpanzil em baixa estatura.
Sempre de paletó de linho branco e chapéu.
Alfredo Augusto de Santana além do calendário hagiológico (economizemos o Google: é só a folhinha do santo do dia) que todos tinham pendurado na parede da sala, deve ter desenvolvido uma agenda própria que mantinha sempre atualizada.
Por conta da sua memória, o bolo da padaria e o guaraná estavam garantidos.
(Partes deste texto foram publicadas em 30/06/2019)