23 de abril de 2024
Medicina

A QUARTA ETAPA DE UMA INESQUECÍVEL E LONGA VIAGEM

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Retrato de uma jovem mulher – Johannes Vermeer (1667) – Museu Metrpolitano de arte, Nova Iorque

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Julho de 2000.

Depois de muitos planos, estava começando a viagem dos sonhos da família.

Levaríamos os quatro filhos para quinze dias no Chile. Com direito a muita neve.

Malas prontas, vôo da Varig marcado para o início da tarde. Olívia que vinha sendo tratada de uma inflamação no olho, amanhece com secreção purulenta.

Levada ao colega oftalmologista Zé Rosendo, o diagnóstico: úlcera de córnea,  consequente a ceratocone.

Férias canceladas, o tratamento que substituiu a aventura nos Andes, transformou-se numa árdua guerra. Colírios e orações, as armas mais poderosas.

Uma semana depois, a perfuração da córnea e a indicação de transplante.

No início deste século XXI, cirurgia realizada em Natal, esporádica, artesanal e heroicamente, graças à abnegação de Marco Rey de Faria que apoiado pelos  colegas João Maria Monte  e Carlos Alexandre Garcia, conseguia entusiasmar jovens residentes como Uchoa e Bruno.

Depois de muito pedido a amigos das  UTIs e do ITEP, surge a chance.

O tio de outro paciente de Marco Rey fora assassinado, e se providenciássemos os exames, seriam realizados os dois transplantes.

A peregrinação pelos laboratórios só terminou com a lembrança do Hemonorte que resolveu o problema, graças a uma ex-aluna de Margarita que estava no plantão.

Cirurgia realizada ainda com direito a pernoite na clínica.

Seis meses depois, finalmente o Chile.

Olívia não viu o branco da neve.

O verão na Patagônia é uma explosão de muitas cores.

Setembro de 2011.

A Central de Transplantes realizou seminário e publicou plaquete com depoimentos de familiares e profissionais para marcar  a meta alcançada da  fila zero de córnea.

Que este relato pessoal e familiar sirva para lembrar a longa estrada que nos trouxe ao momento desta comemoração.”

Novembro de 2019.

54% das famílias potiguares recusam doar os órgãos de parentes com morte cerebral.

Quase vinte anos passados, com a córnea opacificada, Olívia está, de novo, na fila dos transplantes.

Se não ocorrerem novos atrasos nos pagamentos aos prestadores de serviços nem outros entraves burocráticos, o tempo estimado para ser chamada é de 14 meses.

Novembro de 2021

Dois anos e duas ondas de uma pandemia depois, os planos para o feriadão são alterados radicalmente.

O telefonema tão esperado avisou ter córnea disponível, com cirurgia marcada para a segunda feira imprensada com o dia de finados.

Na nova clínica, moderníssimos equipamentos, pessoal bem treinado e o mesmo exímio cirurgião. Sem exageros, Rey.

No dia de todos os santos, as preces foram ouvidas por muitos deles.

Deu tudo certo. Vai dar tudo certo.

Andrà tutto bene.

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Moça com brinco de pérola – Johannes Vermeer (1665) – Museu Mauritshuis, Haia

 

One thought on “A QUARTA ETAPA DE UMA INESQUECÍVEL E LONGA VIAGEM

  • Essa questão das famílias do Rn sobre não permitir retirar órgãos não me espanta, será que nas nossas universidades existe um trabalho de conscientização dos nossos jovens alunos ?

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