A ÚLTIMA FUGA DE IEMANJÁ
Mãe de dez filhos, os seios, enormes de tanta amamentação, viraram motivo de vergonha.
O primeiro marido deixado para trás e a mesma falta de sorte com o segundo.
Maltratada, preferiu ser retirante.
No caminho sem rumo, o pote derramado virou riacho que se fez rio e a levou pro meio do mar. Onde foi coroada rainha.
Bela e vaidosa, em troca de oferendas, garante boas pescarias e a certeza da volta ao porto seguro. Para os apaixonados, leva e trás todo o amor correspondido.
Na praia do meio, a sina e o mesmo destino. Mais descaso. E outra fuga.
Do ambiente insalubre, do sol inclemente, das intempéries e de todo abandono.
Os efeitos da maresia, a ação de vândalos e outros intolerantes, apressaram a aposentadoria da estátua mais conhecida, visitada e reverenciada da cidade.
Por invalidez.
Mais uma vítima da violência urbana, perdeu os braços.
Não pode mais receber oferendas nem retribuir os presentes com bençãos e graças.
Antes de completar vinte anos de serviços espirituais eternos, está sendo substituída por uma nova, de calcário. Material resistente, inoxidável e duradouro.
Será levada para um depósito com a promessa de passar por mais uma restauração.
Depois, a burocracia deverá escolher um outro local, uma outra praia, onde voltará a receber seus fiés.
Espera-se que não tenha o mesmo destino do anjo azul que tendo guardado por décadas um jardim na Hermes da Fonseca, acabou esquartejado, com os restos e asas jogados num canto de praça descuidada .