A VEZ DOS AVÓS
Conscientes que são dos primeiros grupos de risco, as pessoas mais velhas são as que têm seguido todas as recomendações e proibições das autoridades sanitárias com mais rigor.
Não importa se os decretos são estaduais ou municipais, esquecem sempre dos idosos confinados quando o assunto é flexibilização.
Tão fácil de resolver o problema de quem tem mais ficado em casa.
Tudo que eles querem é a permissão de uma visita presencial aos netos, por cada dente de leite prestes a cair.
Mantida a distância de 99 cms e a proibição da prática ilegal da Odontologia.
(Publicação original em 06/07/2019)
DENTE DE NETO
Avós modernos participam mais, ajudam os filhos na educação, nas tarefas, no corre-corre e querem desfrutar por mais tempo da companhia dos pequenos.
Hábitos e horários são mudados ao ritmo alucinante dos compromissos de quem antes dos cinco anos, já pratica de três a quatro modalidades esportivas. Ballet, outras danças, inglês, às vezes, francês. Quando não, mandarim. O futuro está no oriente.
Ah, não esquecer a robótica. Que a garotada já se preocupa com quem vai dividir, mais tarde, o trabalho pesado.
Depois da reforma trabalhista, o cuidado vai ser mais com a ferrugem nos technocolaboradores do que com o pagamento do e-social das empreguetes.
-Hoje tive que limpar o banheiro. O R1, o faz-tudo lá de casa, deu pau. Deve ter sido a maresia que oxidou seus sistemas.
Tarefa mais penosa ainda é quando se quer resgatar e manter antigas tradições familiares.
Crente que era pós-graduado em decídua, o vovô de primeira dentição (mas pai de octogésima) tão logo notou o incisivo bambo, ofereceu-se para a exodontia. Indolor. Rápida. Sem traumas.
Não pareceram assim tão tranquilas as memórias do boticão evocadas pelo fedelho-filho.
Para ele e os irmãos (ouvidos em vídeo-conferência pelo zap zap), aquele papo não passava de propaganda enganosa e conversa pra neto dormir.
Sonhando com o procedimento e fazendo planos para o destino do espécime cirúrgico, é hora de providenciar o armamentário: linha urso 000 (será que ainda vendem no armarinho da esquina?) e uma lãzinha de algodão.
O descarte, estrategicamente planejado.
Nada de jogar no telhado. Que em edifícios, não há. Sem essa de fada-madrinha. Melhor enterrar no pé do mourão.
Do vice, não. Da porteira. Pra virar fazendeiro de muitas terras e boiadas.
Ou quem sabe, fazer como na Turquia. Jogar perto de onde se espera o herdeiro do herdeiro venha trabalhar. Algum hospital.
Ou na Praça 7, dos 3 poderes.Há quem diga que já tem pra vender, álbum como os de figurinhas, pra coleção completa. Quem sabe no futuro, deles não isolem substâncias milagrosas.
As elucubrações só findaram quando chegou a notícia e a operação, gravadas em vídeo.
Inês não vive mais. O dente já foi arrancado.
Pela malvada doutora que se passou por tia. E ainda vestiu no cliente, roupas, máscara e óculos do Capitão América.
Na próxima vez, vai ser em casa mesmo.
E com fantasia do Homem de Ferro.