28 de março de 2024
Familia

AO MESTRE, COM SAUDADE

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Diz-se que a vida contém 10.000 alegrias e 10.000 tristezas.

Portanto, primeiro a tristeza: o pai morreu esta manhã, de Covid.

Agora, as alegrias, nas fotos dos netos.”

(Bill)

“Obrigado por enviar notícias, mesmo aquela que não gostaria de receber.

Uma coisa nos conforta, o pai viveu uma vida longa, formou uma linda família e deixou sua contribuição para a comunidade onde escolheu viver.

Que seu espírito encontre o da mãe e ambos descansem em paz.

Diga aos meninos que estou triste.

Vamos manter contato.

Aqui, nossa primavera está começando. Viemos comemorar na praia.

Deus abençoe todos vocês.”

(Domicio)

A troca de informações e afetos encerra mais um capítulo de uma história de mais de 50 anos.

No tempo em que o intercâmbio cultural (somente com os Estados Unidos) era bolsa de estudos, disputada em concurso, o filho do fazendeiro do árido semi-deserto nordestino foi classificado para estudar o último ano do ensino médio com a família de um professor de agricultura , enfermeira e quatro garotos mais novos que ele.

O que poderia ser considerado uma sábia decisão dos voluntários que colocavam os jovens certos nas famílias mais adequadas, tinha tudo para não dar certo.

A começar pelo novo endereço. Uma pequena propriedade rural a meia légua de um cidadezinha de menos de 5 mil habitantes.

O farm boy brasileiro que  nunca havia morado no sítio, vivia os anos dourados, na quase metrópole, delírio de  Londres tropical.

Cuidou de carneiros, colheu pepinos e plantou milho e sequoias pela primeira vez, no andamento das quatro estações, na congelante Minnesota de inacreditáveis 20 graus abaixo de zero.

Conheceu a neve e o calor aconchegante de uma família de filhos de imigrantes suecos e noruegueses.

O novo filho do professor foi nepoticamente eleito o greeter da classe  que formava os Futuros Fazendeiros da América. Sentado na entrada, tinha função de porteiro que anunciava os que chegavam depois da aula começada. Dos atrasados, ao diretor principal, todos solenemente noticiados, como se guardião da sala real fosse.

Se bem que o sotaque e erros no inglês, provocassem risos, de animador da circunspecta corte.

Os anos 70 que haviam começado com tantas novidades, continuaram a correr rápido.

Faculdade, casamento, filhos.

Todas as fases e novos membros da família mostradas em cartas, fotos e férias. Ao vivo e em emocionantes reencontros.

Vinte anos depois,  o recíproco pagamento das visitas recebidas.

Conhecer a parte da família compartilhada pelo elo do filho adotado,  foi a maior aventura do casal que pouco saía das pradarias tomadas dos Siouxs, que ainda choram as perdas, em suas  reservas de imensos cassinos, para além da curva do rio.

Impressões depois contadas em cartas rareadas mas nunca esquecidas, em aniversários e natais.

Uma volta ao passado: arados puxados a cavalo, carroças, ordenha manual, casas de taipa, caminhões-pipa, roupas nos varais, tantas county roads esburacadas, tantos jumentos abandonados, os tipos humanos na feira de Passa e Fica.

Nosso estilo de vida tinha proporcionado  a eles, uma viagem no tempo. O way of life caboclo transformado em museu vivo.

Quinze anos depois de Dale,   a companheira, partir do hospice (unidade de cuidados paliativos) que ajudou a construir, o Professor Ben Broberg, aos 97 anos, vitimado pela Covid-19, faleceu no lar geriátrico de Redwood Falls.

Deixa lições de vida, nas lembranças de ter concorrido para um mundo mais solidário.

E uma imensa saudade no filho do coração.

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Redwood Falls – abril de 2017

One thought on “AO MESTRE, COM SAUDADE

  • Marcelo Leite

    Merecida homenagem ao querido segundo Pai.

    Resposta

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