23 de abril de 2024
Memória

AVES DO GUETO

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Os Emigrantes (1910) – Antonio Rocco – Pinacoteca do Estado de São Paulo


Se faz  mal tempo elas vão; se faz bom tempo elas vêm.

A procura por melhores condições de vida é a motivação de todas.

No apoio de quem pousou  primeiro, a escolha do novo endereço.

Uns acudindo os outros.

Na fiança, no período probatório, na ida ao primeiro forró.                          

Vão se juntando e acolhendo quem mais chegar, se amontoam e se espalham.

Em São Paulo, bairros inteiros do jeito de países tão distantes quanto Japão e Itália.

Liberdade e Brás viram outros refugiados assimilar culturas d’além mar e do sul maravilhoso.

Aprendem tudo. E rápido.

O machismo, esquecido nas cozinhas só para mulheres e nas veredas empoeiradas dos grotões, não impede quem nunca tenha visto uma bolacha tão grande nem sabia que se come peixe sem fritar, darem os mais requisitados pizzaiolos e  sushimen.

No Rio, nordestinos ocupam solidária e democraticamente todas as comunidades, cortiços e favelas.

Nova Cruz instalou sua representação diplomática na região agreste da cidade maravilhosa, entre a praia de Ramos e o Morro do Alemão, cercanias do Buraco do Lacerda.

Jacarezinho!

Avião!

Tim Maia!

Entre ex-moradores famosos, o senador de origem potiguar Romário Faria, do ramo não oligárquico da família e o falecido justiceiro Paraibinha, oriundo da região do Curimataú-Bujari, com passagem meteórica pela crônica policial da Guanabara.

Costureiras e feirantes não ficavam sem empregos.

Mesmo aqueles com pouca experiência, part time workers, nas feiras das segundas, reforçando o time de vendedores das Lojas Paulista e congêneres concorrentes.

Uma carta de recomendação do gerente Waldemar Ferreira podia fazer a diferença não assentada na carteira de trabalho.

Eliezer, sapateiro dos bons, camarada comunista, líder do Grupo dos 11 de Brizola, conseguiu transferir o ideal igualitário mas não as artes do ofício, para todos os filhos.            

Arim, montou oficina e fez sucesso na capital, enquanto os calçados dos ricos e remediados eram feitos sob medida, em formas customizadas.

Mais novo, Araken, no rastro de tantos amigos que voltavam a passeio, falando carioca, roupas bacanas, bossando com rádio de pilha, conseguiu um desconto com Dona Maria de Severino Pau-de-Arara, pegou o ita da Planalto, e foi  em busca de vida menos previsível e modorrenta.

A gravata quadriculada não foi disfarce  para esconder a identidade do galego sarará, cortador de tecidos para os turcos da Casa Assuf, na Nossa Senhora de Copacabana.

O conterrâneo, acompanhante da patroa na compra do enxoval para o quarto e sala dos médicos-residentes, fez o reconhecimento e o teste.

Perguntou pela origem do vendedor.                         

Alemão, croata ou gaúcho?                                    

Com sotaque do Irajá, disse ser do norte.

Na frente do supervisor, ficou ainda mais amarelo quando o amigo de infância, disse tê-lo achado a cara de um cara da sua terra que tinha arribado depois de ter pintado e bordado.

E fugido da polícia.

O reencontro e a brincadeira  acabaram em reminiscências e olhos marejados de saudade.

(Revisão melhorada, de estória contada em 19/08/2019)


0DAC5F46-758E-4992-B9AE-45F7FEA668AFGli Emigranti (1896) – 
Angelo Tommasi  – Museo Nazionale d‘Arte Moderna, Roma.

One thought on “AVES DO GUETO

  • Geraldo Batista de Araújo

    Danou-se nega do doce, ajuntaro o Rio com Novacruz, transportaram o mar para o Agreste e já tem nego falando chiando e grafino cheirando coca falsificada. Que falta faz a mãe do Dr. Domício, Dona Joanita, uma respeitável matrona

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