18 de abril de 2024
Personagem da notícia

CLARICE E EU

B7C53557-3F9A-4F57-A62E-8009F1795EE3Somados aos umbandistas, eram todos crentes na cidade que achava-se grande. A maior de toda a região agreste.

A maioria assim não se denominava. Eram só, católicos. Orgulhosos universais. Devotos.

Outros, gritavam que sim. E dava pra ouvir, de passagem pela rua. Crentes. Com roupas, cabelos  e gravatas de crentes.

Sobravam os que escondiam suas crenças nas mesmas imagens, com nomes diferentes, ao som do ritmo hipnotizador dos tambores, pelas ruelas das beiras da linha de ferro.

O primeiro judeu só conheci quando já era gente grande, quase um médico.

E foi logo o chefe do serviço.

Com ele, aprendi o ofício.

E a  guardar outros dias santos.

Feriados para todos, menos para os migrantes, cumpridores  das tarefas obrigatórias.

Como também havia um curi,  libanês, ou sírio-libanês, ou árabe, foi nesta faixa de gaza que forjei a  vida profissional.

Protegido pelo conterrâneo baiano e pelos cariocas. Que todos éramos. Da gema.

Hospital com fama de bom, prédio imponente, projeto de Niemeyer, jardins de Burle Marx , em valorizado bairro, às margens da Lagoa. Destino de alguns famosos.

Da comunidade judaica, dos bem relacionados que não podiam  (ou não queriam) pagar particular e de todos que davam um jeitinho para encontrar a vaga existente no nosocômio público.

Separados do povão, em confortáveis suítes, numa repetição do que se via ali por perto.

Luxuosos prédios de apartamentos nos sopés dos morros de favelas, futuras comunidades.

Entre os atarefados e os de saída para o merecido ócio, num fim de expediente de sexta-feira, um parecer da gineco sobrava mesmo para o -estagiário. Que só naqueles dias e  horários, era promovido e tinha que posar de doutor.

O conhecido nome no prontuário já aumentou a responsabilidade.

A doente, em seus últimos meses de vida, guardava muito da beleza que se podia imaginar, de antes dos 57 anos registrados. E da doença.

Conversa rápida.

Não pela pressa do falsificado médico.

Talvez pela intercorrência de pouca importância num quadro tão avançado e de tratamento paliativo.

Ou pela psicologia da situação em si.

Quem há de saber.

A idade do imberbe aprendiz de urologista?

Ou seu sotaque paraíba?

As dúvidas voltaram  à lembrança ao ler Diógenes da Cunha Lima, nesta Tribuna do Norte.

A ilustre paciente incidental não quis muita, nenhuma conversa.  O estritamente suficiente para o doutorando pedir exames. E voltar com os resultados e orientações. E só.

Se soubesse que quando bem  jovem, a escritora havia passado dez dia na Ribeira, no horrivelzinho Grande Hotel, enquanto esperava um próximo voo e que de Natal, nada gostou, a não ser o que ouviu trancada no seu quarto.

O silêncio.

Haveria mais do que relembrar.

Se a timidez deixasse, teria contado que meu pai, político do interior, sempre fez ali, sua residência na capital.

Que era lá onde meus irmãos gozavam as folgas do internato. Entre homens importantes, de negócios, viajantes e marreteiros.

Falar do arrendatário da estalagem que entrou para a história da guerra, o Majó Theodorico Bezerra.

E da sua fazenda, no reino do Irapuru, fronteiras de Tangará.

E do nunca esquecido corte de cabelo, no majestoso salão de Balduíno.

Não era mais a hora da estrela, quando conheci Clarice Lispector.

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