24 de abril de 2024
Opinião

De como deixei a faculdade para aprender a fazer jornal

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Tribuna do Norte – Cassiano Arruda Câmara – 240321

Foi há – exatos – 58 anos. O filme vai passando com absoluta nitidez. A avenida Tavares de Lyra, na Ribeira, estava movimentada naquele começo de noite, como era normal em 1963, e eu dei entrada pela primeira vez na redação de um jornal pela porta (larga) da frente e me surpreendi com a gritaria, cada um falando mais alto, num enorme salão sem divisórias, com uma tábua pregada na parede formando uma bancada, com inúmeras máquinas de escrever Olivetti de carro grande, e alguns birôs no meio onde ficavam os editores.

Minha experiência de jornalismo tinha poucos dias. Desde o início do ano letivo da Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, a segunda do Brasil, que funcionava no prédio da Fundação José Augusto, na rua Jundiaí, no Tirol, e eu começara a frequentar como integrante da primeira sua turma, formada por uma fauna diversificada que tinha de quase tudo, desde um Desembargador, um Juiz de Direito, alguns militares, meia dúzia de mulheres e uma maioria que havia terminado o curso secundário, onde me situava.

A falta de protocolo e excesso de irreverência me encantaram de cara. Mas eu demorei pouco, por ali, naquele primeiro dia vendo a turma trabalhar. Estava começando o fechamento da edição do dia. Walter Gomes, o Editor Chefe, inesperadamente me deu a primeira missão: passar por uma reunião de sindicatos, no Grande Ponto. Lá fui eu no jipe do jornal, que me esperou uns 15 minutos. E antes, de meia hora lá estava de volta à redação, já batucando as pretinhas.

ESTrEIA AUSPICIOSA

O espaço que me fora reservado era pequeno, 20 linhas. Entreguei a lauda de papel a Valter que fez uma leitura rápida o soltou o grito, que ressoou até na Peixada Potengi, o vizinho de frente:

– Temos um gênio na redação!
– Tudo certinho, inclusive com o “lead”.

Em jornalismo, o lide (do inglês lead) é a primeira parte de uma notícia. Geralmente o primeiro parágrafo com poucas linhas posto em destaque para fornecer ao leitor informação básica sobre o conteúdo da matéria. A expressão inglesa lead tem, entre outras, a tradução de “primeiro”, “guia” ou “(o que vem) à frente”.

Na imprensa brasileira, apenas o Jornal do Brasil (de onde Walter viera), adotara o lead, e a Tribuna queria seguir o mesmo caminho. O normal, então, na redação dos jornais, era abrir as matérias com o “nariz de cera”, que muitas vezes tinha mais inspiração poética do que compromisso com a notícia.

Na Faculdade de Jornalismo, Luiz Lobo, o primeiro diretor, e professor de Técnica de Redação, dedicara todas as primeiras aulas a ensinar e praticar o lead. Como foi visto, eu aprendera a lição…

EU REPÓRTER

O curso noturno era compatível com a maioria das atividades, quanto mais a de repórter num jornal diário, que circulava com seis páginas, duas das quais de assuntos locais, e mil exemplares de tiragem.

Natal tinha meia dúzia de jornais, quase todos ligado a um grupo político. A Tribuna do Norte, do governador Aluízio Alves, seu fundador há 13 anos para fazer a campanha da UDN, mas que estava resistindo e sobrevivendo Deus sabe como.

Tinha mais o Correio do Povo, do ex-governador Dinarte Mariz; o Jornal do Comércio, do deputado Theodorico Bezerra, o cacique do PSD; a Folha da Tarde, do prefeito Djalma Maranhão; o Diário de Natal, vespertino e O Poti, matutino, ambos dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. E o semanário A Ordem, da Arquidiocese (leia-se d. Eugênio de Araújo Sales). O Diário de Pernambuco e o Jornal do Comércio, do Recife, circulavam à tarde, transportados pelos ônibus de Xaveta, o os jornais do Rio e Sã Paulo só chegavam no fim da noite e circulavam no dia seguinte. Natal tinha, ainda, quatro estações de rádio e nenhuma emissora de televisão.

O noticiário nacional e internacional eram supridos pela “gilete press” e “tesoura press”, embora todos contassem com serviço de rádio escuta (código Morse), das principais agências de notícia.

O “parque gráfico” da Tribuna do Norte contava com uma impressora plana (que trabalhava com papel em resma) abastecida frente e verso, pelas mãos do impressor, mais quatro linotipos e duas estantes de tipos móveis. Tudo como nos tempos de Gutemberg, há quatro séculos, na Alemanha.

JORNAL NÃO SE APRENDE NA ESCOLA

A percepção geral era do jornalista auto-didata que aprendera a profissão fazendo jornal. Geralmente começava como revisor, depois noticiarista e repórter, quando criava asas e se mostrava pronto para voar.

Vindo da escola fui me aproximando da velha guarda. Para quê ir a aula, se na mesma hora podia estar aprendendo direto com Berilo Wanderley, Luiz Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros, Newton Navarro, Waldemar Araújo, Mussoline Fernandes, Agnelo Alves e, de vez em quando o próprio Aluízio?

Terminado o primeiro ano (de três) entre a Faculdade e o jornal, fiz a opção pela Tribuna.

Em pouco tempo, Chefe de Reportagem e Editor Chefe, em 1969, tempo de AI-5, laureado com uma cana de 49 dias e julgamento na Auditoria da 7ª Região Militar, no Recife.

Já casado, migrei para o Diário de Natal (que a gente chamava de “mal feitinho da ladeira”). Foram 35 anos, e depois a aventura de ser dono de jornal, por sete anos (consegui concluir o curso, já da UFRN, em 1977, só para ser professor).

E o reencontro com a mais querida Tribuna, no ano passado, para recomeçar uma história, 50 anos depois.

3 thoughts on “De como deixei a faculdade para aprender a fazer jornal

  • Leila Cunha Lima

    Que história ! Parabéns

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  • J Fortaleza L Filho

    Obrigado por compartilhar conosco esta belíssima história. Desde meus 10 anos sou leitor da sua coluna e para mim foi um prazer ter sido seu aluno. Um grande abraço professor.

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  • Alfredo Concilium,i

    EU sempre quis ser comunicador social,iria fazer vestibular para o curso de radialismo,más,fui desincentivado pelos meus Pais e irmãos,eles ficaram dando gargalhadas,risadas com a minha escolha para o pretendido curso,porque sempre fui bastante tímido,calado com grande dificuldade de interagir socialmente com a palavra falada,na escola de nivel infantil,fundamental e medio vivía isolado dos outros colegas de turma,por isso,desisti de realizar o vestibular para o curso de comunicação social,opitei por prestar concurso vestibular para outro curso universitario pelo qual me graduei conquistando esse diploma profissional de nivel superior que praticamente só me trouxe cultura e conhecimento.

    O pior que na época da universidade também em razão da extrema timidez vivía isolado do restante da turma,além disso,sou espiritualista,possuo o grau mais elevado,as pessoas me enxergavam como um ser esquisito,estranho,as vezes assustado,nervoso em virtude da mais elevada carga de energía espiritual e na rede social poucas pessoas aceitarão a minha solicitação de amizade virtual em uma rede já extinta e outra ainda existente e ainda mal conseguía apresentar os trabalhos em público.

    Porém,até hoje as pessoas dizem que tenho a voz de locutor de radio,talvez com as técnicas neurolingusticas do curso de radialismo,eu poderia ter melhorado e aperfeiçoado a minha capacidade de comunicación emocional e neurolingustica.

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