20 de abril de 2024
Comportamento

DOS NOVOS MEDOS

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O medo (1975) – Clarice Lispector


O que faz as pessoas mudarem hábitos e comportamentos em tempos de pandemia, é somente 
medo.

Ainda não definido, haverá de surgir um nome para resumir todos os sentimentos com a vida diferente a que fomos obrigados a levar.

Coronafobia?

A sensação vai além da clássica Misofobia dos que têm  horror ao contato com a sujeira, contaminação e germes.

Agora, acrescentado do que possa contribuir para  o contágio, incluída a aproximação com os outros.

Consequências psicológicas que ainda não se pode prever.

Como será o comportamento de quem,  no período de formação, teve de manter-se distanciado,  aprendendo, por um tempo, no isolamento, e afastado dos professores?

Quais serão as lembranças de uma infância vivida diante das telas luminosas e inquietas que se transformam em babás eletrônicas?

Recordações de festas de aniversários e natais com famílias reunidas em videochamadas, inibirão as vindouras?

Outros pavores resistirão, depois que o maior de todos for evitado, em definitivo, pelo manto protetor das vacinas.

Os nomes pomposos vão se perdendo no pouco uso,  mas há termos  que além de esconder as fraquezas, dão um certo status à paúra.

Chique ser claustrofóbico, desses que preferem subir lances de escada e nem anestesiados entram no tubo da ressonância magnética .

Algumas servem para deixar o interlocutor apavorado com  a própria ignorância.

Aracnofobia, é moleza.

Aerofobia, é pra deixar qualquer um nas nuvens, cantando o megassucesso de Belchior,  segurando a mão da moça da poltrona ao lado.

Justo Veríssimo, imortal personagem de Chico Anisio, ao desejar a explosão de grande parte da humanidade, não revelava outro sentimento, que não, a Aporofobia.

Já Amaxofobia é só para quem é fera de dicionário.

No jogo das palavras cruzadas, é de se consultar o pai de todos os burros ou voltar para a autoescola.

A longa lista não tem fim. Continua com as fobias específicas.

De qualquer e de todas as coisas que se possa imaginar.

É o medo acentuado e persistente, excessivo e irracional, desencadeado pela presença ou menção de um objeto ou situação.

A pessoa reconhece o receio mas  não consegue controlar as reações.

Começa com um mal-estar, passa para ansiedade extrema, chegando a afetar a rotina e os relacionamentos.

Conta o empresário, que depois de longo tratamento, livrou-se da sua.

Por muito tempo não conseguia ver palitos de dentes.

Mesmo que não estivessem em uso, incluídos os embalados individualmente em papel celofane, nas mesas das churrascarias.

Passava mal, como se atacado por crise de asma.

Aversão tão inexplicável  quanto a que surgiu em  substituição.

Passou a ter, pavor às dentaduras.

Não consegue assistir videocassetadas que repetem exaustivamente próteses saltitantes, deixando murchas as bocas dos noivos na hora do sim.

Nem o bispo escapa da covardia incontornável.

Ninguém sabe se foi só susto, a reação da Vossa Reverendíssima quando em visita aos diocesanos, num sítio castigado pelo calor inclemente do sertão.

Ao seu pedido para matar a sede, a recomendação que trouxessem a caneca de alumínio que já estava cheia de água fria, quase gelada.

A troca involuntária por outra igualzinha que servia para guardar a chapa da patroa, acabou em estrepitosa regurgitação pontificial.

E muitos pedidos de desculpas da devota com medo dos infernos de um  castigo, digamos,  celestial.


*** A lista de medos, postada originalmente em 8/12/2019,  foi revista e ampliada para republicação

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Interior da Caverna (1960) – Clarice Lispector – Instituto Moreira Salles, São Paulo
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Figura 1 (1973) – Clarice Lispector – Acervo da Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre

Eu queria escrever como uma pintora

         Clarice Lispector (1920-1977)

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