DESENCONTRO COM O PRESIDENTE
Ocorrido há 46 anos, um episódio de interesse muito particular e individual, mostra mudanças de costumes e na política.
A começar pelas cartas que não existem mais, a não ser as de cobranças.
A obediência aos pais.
A elegância dos grandes homens públicos.
Houve um tempo de missivas e portadores.
Comunicação, por bilhetes e cartas. Envelopes, selos e carimbos.
Assuntos urgentes, de vida e morte, mereciam telegramas.
Sempre para felicitações, parabéns ou pêsames. Se possível, em menos de 140 caracteres.
O chefe da delegação potiguar ao Encontro de Estudantes de Medicina na serrana Petrópolis, ao recorrer ao paitrocínio, foi comunicado que teria a incumbência de entregar, pessoalmente, uma carta a um amigo na Rua da Alfândega, na eterna capital.
Às vésperas da viagem (em ônibus fretado pela universidade), o improvável e inesperado destinatário é revelado.
O ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
Ponderações de falta de tempo, excesso de atividades, responsabilidades com a delegação, destino final em outra cidade. Qualquer desculpa para evitar o mico.
Debalde.
Encomenda aceita, ou viagem mais franciscana ainda, com risco até de não ser autorizada.
O conteúdo epistolar nunca foi revelado mas pela resposta, devia tratar da apresentação do filho que quando colasse grau em mais dois anos, precisaria de contatos e algum empurrãozinho no Rio Maravilhoso.
Em tempo de ditadura, ainda que começando a afrouxar com o quarto dos cinco generais, líderes de volta do exílio ainda estavam longe dos plenos direitos políticos.
Anistia nem ampla, nem geral nem irrestrita. Antes pelo contrário. Lenta e gradual.
Dúvidas, se ajudaria para um futuro estágio ou residência médica, alguém que estava no avesso do poder.
Quem tinha o nome proibido de aparecer em jornais e noticiários de rádio e TV.
Com uma única exceção, quando da trágica morte, em 1976.
A namorada e a sine qua non prima e vela, iguais participantes do encontro etílico-científico, foram solidárias na missão paternal.
Desceram a serra.
Mas não subiram o elevador que levava ao escritório no banco de investimento do ex-primeiro genro do ilustre destinatário.
O portador já ensaiava o que dizer ao homem mais importante que iria conhecer na vida, quando ocorre um misto de decepção e alívio, personificado na classuda secretária de blusa de seda pura e perfume Ma Griffe, ao informar que o alocutário não se encontrava naquele local.
Sugeriu o agendamento de um encontro já para o dia seguinte.
Desnecessário qualquer novo compromisso.
A missão já havia sido considerada completamente cumprida.
Que a missiva fora entregue, a prova foi apresentada pelo carteiro de Nova Cruz, alguns dias depois. E mostrada a Deus, ao mundo e a todos os raimundos.
Alguns meses depois os votos enviados pelo correligionário para êxito na eleição para a Academia Brasileira de Letras não evitaram a única derrota nas urnas. Faltaram seis medrosos sufrágios.
O presidente da confraria literária convidou o ex-presidente da república para um almoço e tentou explicar o que ocorrera. JK não deixou.
Sou entendido em matéria de eleições. Quando se perde, não se deve perguntar o por quê.
Os acadêmicos pleiteavam financiamento para construir um edifício ao lado do petit trianon, em terreno doado pelo leitor de discursos escritos por Augusto Frederico Schmidt e Autran Dourado.
Se ele fosse eleito imortal, o apoio do governo militar não sairia.
Já não se fazem presidentes elegantes como antigamente.
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(Publicação original em 18/10/2019)
Parabéns Domício!
Você conta histórias que a história não conta.
Apenas para aclarar: quem lia os discursos elaborados por Augusto Frederico Schmidt e Autran Dourado?
O ditador de plantão? Ele – acho que era castelo branco – foi eleito para a academia?
Os discursos mais importantes de JK são atribuídos aos dois escritores citados.
JK perdeu a eleição ma ABL para o goiano Bernardo Élis e compareceu à posse do seus adversário.