19 de abril de 2024
Medicina

FALSOS MÉDICOS

 

A verdade saindo do poço (1896) – Jean-León Gérôme – Museu Anne-de-Beaujeu, Moulins, França.

A aventura de uma nova confederação do equador não resistiu à primeira onda.

Há dois anos, morria na praia, sem fôlego,  por falta de equipamentos para o suporte ventilatório do seu frágil organismo.

O Consórcio Nordeste foi tragado pela onda pandêmica nas águas escuras da corrupção burocrática.

O episódio  censurado na profana inquisição da CPI da Cloroquina, trouxe um efeito colateral positivo.

A desistência dos governadores que tentavam aplicar o método do ex-ministro Ricardo Salles, de aproveitar a crise sanitária, para escancarar as porteiras da Fazenda Revalida, e deixar passar a boiada dos médicos das escolas fronteiriças.

A legalização de diplomas de formados por correspondência, nos novos institutos universais, ficava pra depois.

No país com maior número de escolas médicas do mundo, houve um tempo que o diploma não precisava ser falsificado à força de lei, aprovada no congresso nacional.

Entre tantas estórias de médicos fingidos que ilustram as páginas policiais, uma é particularmente fantástica.

Foi difícil acreditar que um  dos mais conhecidos especialistas do Rio de Janeiro, depois de mais de 25 anos de prática médica, era um tremendo farsante.

Que levava um estilo de vida invejável.

Cobertura na Lagoa. Mercedes último tipo. Prestígio.

Diretor de hospital filantrópico.
Status.

Clientela ampla e seleta. Organizador dos mais concorridos seminários, sempre com estrelas internacionais.

E que ainda havia  arranjado tempo, disposição e documentos fajutos para ser dos quadros efetivos do Banco do Brasil e do INAMPS, dois dos mais almejados empregos pelos discípulos de Lucas.

Sucesso era o nome dele.

A bonança acabou quando chegou a era e o império da informática.

Na digitalização dos arquivos do Conselho de Medicina, o início do inferno astral.

O ilustre cidadão abaixo de qualquer insuspeita, usava a inscrição e passava por facultativo falecido.

Sobrinho de renomado cirurgião, sempre nas férias, vinha do interior, aprender mais na cidade maravilhosa. Depois, com permissão da faculdade que havia  abandonado no segundo ano, longas foram as temporadas como estagiário.

Como em  tempos bíblicos, o tio ensinou ao pupilo os segredos do nobre ofício e a arte de curar.

As portas abertas e o acesso privilegiado às pessoas certas, foram bem aproveitados.

O resto veio com talento, trabalho, determinação e sorte.

Não fosse o maldito computador.

A revista Veja trouxe a penúltima informação: teria fugido para o Paraguai.

Depois de concluir (de verdade) o curso nas terras do Chaco, diploma revalidado,  e atualizado na Europa, retomou seu desígnio.

Até as vésperas da pandemia, sem cogitar aposentadoria, exercia o mister de urologista, com o desvelo de sempre, em aprazível e bucólica cidade do litoral fluminense.

O Encantador de Serpentes (1879) – Jean-Léon Gérôme – Instituto de Arte Sterling and Francine Clark Art, Williamstown, Massachussets, Estados Unidos

(Com trechos  pré-pandêmicos d’ O Fantástico Doutor Fake, publicado em 22/06/2019)

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