25 de abril de 2024
Opinião

Financiamento público; fim do pudor e dinheiro de campanha

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Roda Viva – Tribuna do Norte 28/07/21

A influência do poder econômico na democracia à brasileira – amparada pelo financiamento público de campanha – deixou de ser tabu. As negociações para definição das prioridades partidárias, algo comparável no passado às intimidades de alcova, estão sendo cada vez mais escancaradas sem pudor.

– “Eu posso garantir que, se Álvaro Dias fizer uma reflexão com o conjunto das forças políticas locais e topar a disputa de uma eleição para Governador do Estado, ele terá absoluta prioridade dos investimentos de recursos do partido”.

A afirmação é do Presidente nacional do PSDB, o pernambucano Bruno Araújo, em entrevista exclusiva a esta Tribuna do Norte no último domingo.

Foram expostos publicamente os argumentos para fazer o Prefeito de Natal renunciar a três anos de mandato e disputar a próxima eleição de governador vestindo a camisa dos tucanos.

Se se deixar seduzir pela tentadora promessa, Álvaro será “absoluta prioridade dos investimentos do partido”.

Mas essa tentação é arriscada, uma vez que o PSDB terá nessas eleições, entre outras “prioridades”, a disputa para o governo do Estado de São Paulo, o maior da Federação.

FINANCIAMENTO PÚBLICO

A adoção do financiamento público das campanhas eleitorais foi promovida pelo Supremo Tribunal Federal como remédio contra a corrupção revelada pela Operação Lava Jato, que mostrou o lado obscuro do relacionando entre candidatos (de todos os partidos) e financiadores privados (a maioria deles empreiteiros que trabalham para o governo).

A Lava Jato também deu visibilidade ao grande público do milionário mercado criado em torno das campanhas eleitorais. A sociedade inteira ficou informada da complexa engrenagem construída em torno de uma candidatura, composta por cabos eleitorais, lideranças comunitárias, pesquisadores, comunicadores e estrategistas políticos, entre outros elementos.

Toda essa estrutura, segundo a lei, deve ser contabilizada e apresentada à Justiça Eleitoral na prestação de contas de cada candidato. Já era assim desde sempre.

O controle contábil das eleições ganhou destaque a partir das revelações das sobras de recursos da primeira campanha para Presidente da República, arrecadados e distribuídos pelo “tesoureiro” PC Farias, tudo na informalidade.

Esse controle procedimental, contudo, mostrou-se insuficiente para coibir desvios.

A aposta agora está na adoção do financiamento público.

TEORIA E PRÁTICA

Os três modelos legais adotados desde 1989 produziram efeitos meramente formais. Mudou-se a embalagem, mas a mercadoria continuou a mesma.

O papel do financiamento público, que se resumia no início à “propaganda gratuita no rádio e na tv” foi sendo paulatinamente ampliado, numa escalada, até o pagamento da conta toda pelo Estado. O modelo de campanha, contudo, quase não mudou. Nem mesmo agora, quando passou a ser adotado o financiamento público.

Independentemente da fonte, o fato é que continua havendo muito dinheiro em jogo. Se forem mantidas as regras, os partidos políticos do Brasil receberão, para a campanha de 2022, algo em torno de R$ 9 bilhões. Nessa conta estão as campanhas para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.

Mesmo em termos mundiais, essa quantia absurda. A França, país que começou a adotar o financiamento público de campanha e era o que mais gastava com isso, destina o equivalente a menos de R$ 300 milhões para financiar suas campanhas.

CONTA RACHADA

A conta que vamos pagar será distribuída entre as seguintes fontes: R$ 1 bilhão para o fundo partidário; R$ 5.7 bilhões de recursos previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias; e mais uns R$ 2 bi (não se sabe quanto custa exatamente) de renúncia fiscal para emissoras de rádio e televisão pela transmissão da dita propaganda gratuita.

Na França (referência de financiamento público de campanha), cerca de R$ 200 milhões são destinados a partidos que tenham ao menos 5% dos votos. Além disso, a distribuição de recursos tem limites: candidatos a Deputado tem um teto de R$ 200 mil; na campanha Presidencial, os candidatos recebem R$ 70 milhões no primeiro turno e R$ 90 milhões no segundo.

As campanhas brasileiras, além do financiamento público, podem ser irrigadas com as doações de pessoas físicas. Cada cidadão pode doar o máximo de R$ 30 mil.

Na Alemanha, o governo financia na base de R$ 4,00 por voto, até o total de R$ 4 milhões; depois disso o sarrafo baixa para R$ 3,00 por voto.

PETIÇÃO INICIAL

A citação de Bruno Araújo na abertura desse artigo não significa que ele tenha cometido algo fora do normal. Pelo contrário.

Hoje em dia o argumento empregado para convencer o Prefeito de Natal a disputar o Governo do Estado é uma espécie de petição inicial para a abertura de qualquer tratativa política no Brasil.

Começar o diálogo pelo dinheiro deixou de provocar qualquer tipo de pudor na política brasileira, especialmente após o revés imposto à chamada “velha política” nas últimas eleições.

A naturalidade da exposição das fontes de financiamento ganha destaque no atual momento, da organização das chamadas nominatas (lista de futuros candidatos a deputado federal e estadual).

A maioria das conversas, na fase atual, começa pela garantia de recursos do fundo partidário para o futuro candidato gastar na campanha como quiser. Tanto que o Presidente de um dos maiores Partidos expõe o assunto de público.

O financiamento público de campanha, se não elimina a influência do dinheiro nas campanhas, parece trazer ao menos uma novidade: trazer para a luz algo que, no passado, era tratado com a discrição de conversas de confessionário.

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