23 de abril de 2024
Memória

GATO DE HOSPITAL

Gato Marrom à meia-lua (2003) – Aldemir Martins


Não há ambiente mais democrático que um centro cirúrgico

As vestes, iguais para todos, do professor-doutor-catedrático à turma da faxina, ajudam no comportamento coletivo, também homogêneo.

Conversas descontraídas, na camaradagem, não impedem que  algumas ultrapassem o limite  da informalidade.

Relacionamentos mais sérios, com papel passado ou não, começaram naqueles ambientes, sempre de muita pressa, pressão e tensão.

A nova  instrumentadora participava, pela primeira vez,  de um procedimento com o cirurgião que já deixara a meia-idade pra trás.

Em qualquer tempo mais tranquilo da operação, depois do silêncio lancinante nos momentos cruciais, para relaxamento de todos, voltam as conversas sobre temas aleatórios.

Tímida, a estreante comenta, baixinho, que o doutor parece um gato.

Com a auto-estima lá pelas cumeeiras, o revelado felino solta a língua e passa, gastando sempre poucos decibéis, a contar dos cuidados que tem com a dieta e das atividades físicas que pratica.

Já pensando em outras oportunidades. Outros assuntos. Outras horas. Outros lugares.

A novata, percebendo as terceiras intenções, faz o experiente chefe da equipe cair das nuvens.

Quase tendo de gastar uma das suas sete vidas de Don Juan.

    O senhor fala  ronronando, como um gato. Mal consigo entender o que está pedindo.

Gato Azul com vaso (2002) – Aldemir Martins (1922-2006)

One thought on “GATO DE HOSPITAL

  • Geraldo Batista de Araújo

    Se disser que não gostei é mentira, disser que gostei o programa reclama. Vou dizer que o cronista que se diz aprendiz envie diariamente para o meu prazer. Bom dia. O vinho melhor ainda não chegou. Obrigado por tudo

    Resposta

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