INTERMINÁVEL NOVELA
Todos lembram do que fizeram no verão passado. E em outros verões.
Para ser fiel ao que se passava há um ano, enquanto a primeira onda se formava no horizonte, trazida por ventos de Espanha e Lombardia, vale o escrito e o publicado naquela época.
A vacina era peça de ficção, com estreia prevista para uma década à frente, segundo cientistas calejados em outras viroses.
O isolamento e todos os demais prazos eram medidos em 14 dias. Necessários, científicos e definitivos.
Às vésperas das mais animadas festas populares, era adiado o São João.
Com promessa de ser comemorado fora de época, em um mês.
Mais tardar em setembro, aproveitando os feriados da semana da pátria.
A resignação com os sacrifícios era esperança que depois da grande vaga, por mais que ficassem destroços na praia, o movimento das marés de lua traria a normalidade de volta.
Trinta 14 dias se passaram e estamos de novo olhando pro mesmo mar aberto, agora vestidos com coletes que salvam vidas.
E recontando a mesma estória que será repetida tantas outras vezes.
Para descrever a passagem da pandemia pelo Brasil, nada melhor que uma telenovela.
Drama, ação, intrigas, um toque de realismo fantástico e muito mistério.
O que todos queriam saber, para dar um fim ao indesejado folhetim, era quando acabaria a quarentena.
Na vida real, a pergunta se renova, sem resposta.
Ainda teremos vida normal?
Em lugares onde a fera aparentemente foi domada, o distanciamento compulsório acabou. Sem terminar.
Para quem achava, que seriam, ao pé da letra, 40 dias, ficou frustrado nos 80, conforma-se com 400 e agora, cisma que de 800 deve passar.
A duração do recolhimento é como juros do cartão de crédito. O freguês quando acha que acabou de pagar, começa tudo de novo. São outros quarenta sobre os quarenta quitados.
Com a perda de credibilidade das projeções matemáticas, cada um passou a fazer os próprios cálculos. E tratar de reaprender rezas já meio esquecidas.
Não se pode deixar de equiparar o que nunca vem, com as promessas de políticos.
A miquelina ponte Natal-Noronha e outras faraonices de véspera de eleição.
A comparação do radialista Franklin Machado foi o desenho mais fiel.
Por dever de ofício, quem fala na latinha, deve entender de tudo. Do alfinete ao avião, como todo pós-graduado na Mesbla.
E não é que o locutor que nos fala, assemelhou o tempo de espera às últimas semanas do Le Cirque?
Houve quem recordasse de quanto levou o elefante branco do Tirol para ser batizado. E o tanto pra começar a atender pelo vulgo de Walfredo.
Não caíram no esquecimento as doações, quermesses, procissões e bingos até que a primeira missa benzesse a catedral nova.
A novela, assistida pelos olhos dos protagonistas, só entraria nos últimos capítulos quando a quarentena pegasse o beco.
Mas até aqui, têm sido outros quarenta.
E esta estória que não tem fim.