25 de abril de 2024
Memória

LEMBRANÇAS PERIGOSAS

Memória (1948) – René Magritte- Museu Magritte, Bruxelas

Os novos tempos são de palavras medidas e contadas.

Pode-se falar de tudo,  mas não muito, e de preferência, com os devidos  poréns e explicações esclarecedoras.

A dislalia de Hortelino troca-letras (ou do Cebolinha), não faz mais graça nenhuma.

O Capitão Gay e seu assistente Carlos Suely foram para  a reserva compulsória há mais de 40 anos, desde quando as identidades sexuais representadas por Jô Soares eram menos fluidas.

Até cochicho ao pé do ouvido, mesmo entre generais ou ministros, decifrado por leitores labiais, precisa ser explicado.

Tudo tem contexto e consequências.

Chegará o ponto da necessidade de uma lei para acalmar os pensadores de  pensamentos alheios.

O posseiro deste pedaço de Territorio Livre tem recebido pedidos para identificar personagens de estórias contadas.

E reclamações pela franciscana dieta  de nomes de pessoas e lugares.

Ele já avisou a quem interessar  podia, não  abrir o bico nem a pau de arara.

Não faltam guardiões da memória de antepassados, sem convívio algum, e  honra de governantes contemporâneos, com poder efêmero.

Liberdade de expressão agora tem limites estreitos. Os que antes habitavam as regiões da ironia e do sarcasmo, agora estão em beligerante zona de litígio, sujeitos a balas perdidas e fatais.

Experimente tirar uma graça com alguma dessas minorias superiores. Ou catucar, ainda que de leve, uma poderosa corporação.

A Teoria do Domínio do Fato é pá de cal na antes inocentadora dúvida, como argumento de defesa.

Contra réu, vale o que pensam do que ele pensa ou escreve.

Um sábio político já dizia que  as testemunhas ideais são as mortas, as únicas que nunca vão te desmentir.

Fragmentos da memória sobre fatos acontecidos ou não, surgem uns atrás de outros.

Questiona-se, muitos deles já não foram contados e  apenas se  reescreve com outras palavras, o que foi lido em algum lugar.

O que alguém lembrou do que leu, e escreveu para outros lembrarem, o que vão escrever para outros lembrarem,  na roda da memória que nunca para.

Alguém  já disse que estes textículos viraram enigmas.

Antes que a conversa entre em disforia de gênero ou  por uma perna de pinto e saia por uma de pato, é lançado o desafio:

Decifra-me, ou conto outra.

Valores pessoais (1952) – René Magritte – Museu de Arte Moderna de San Francisco, Califórnia

 

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