LEMBRANDO CIDUCA
Há um ano, quando republicado o post, Ciduca Barros, a fonte da informação, já estava internado.
Veio a falecer, dois dias depois da sua mulher, Aparecida. Vítimas da Covid.
Deixou em livros, estórias que viveu como funcionário do Banco do Brasil, reminiscências do Seridó querido e saudades de um tempo que não volta mais.
FAMÍLIA, PLÁGIO E PENDURA
Há muito se diz e se repete que o risco que corre o pau é o mesmo do machado.
Quem se atreve a pescar, nas águas baldeadas da memória já meio cansada, estórias que não merecem ficar no esquecimento, também pode cometer o pecado venial da repetição. Ou mortal, do plágio. Involuntários.
Agora mesmo, por um átimo de lucidez não fico a dever o principal desta estória, acrescido de juros (daqueles escorchantes), a Ciduca Barros.
Foi ele quem há uns bons anos, pediu-me em nome da família o nihil obstat para publicar em livro, um caso passado com Dona Joanita, sua cliente no Banco do Brasil em Nova Cruz.
Mesmo sem nenhuma consulta fraternal, fiz o que todos teriam feito. Não só autorizei , como autentiquei e dei fé de ofício ao relato que sem nenhum reparo deve ter acontecido mesmo com a senhora nossa mãe. O descrito era fiel ao jeito dela.
Uma das principais protagonistas da história da cidade. Com destacada atuação no comércio, política e vida social.
Era dela o primeiro acolhimento aos novos moradores. Que já recebiam de início, sem comprovação de qualquer garantia, crédito ilimitado para mobiliar e equipar a casa que também ajudava a alugar. Sem cobrança de comissão.
Fazia também o papel de agente de empregos.
Ninguém ficava sem cozinheiras, babás, carregadores d’água e de balaios de feira.
Sabia recrutar nos sítios, as pessoas certas para cada tipo de família. Única exigência, matricula escolar e frequência às aulas, para os jovens trabalhadores.
Seus fregueses e beneficiários preferenciais eram funcionários do estado, da mesa-de-renda, das correntes, oficiais, subs, sargentos, cabos, praças da polícia e principalmente os meninos do banco. Um dos poucos na região.
Em contrapartida, tinha livre acesso para interceder junto às autoridades. Para prender e soltar (soltava muito mais do que prendia).
Casava quem avançasse o sinal. Batizava os que escapuliam do avanço.
Dava bom destino (e passagem para o sul) às sirigaitas que tumultuavam a harmonia dos lares. E reconciliava os casais
Mais um ano de seca braba. A fazenda sem quase nada produzir, por baixo na política e o comércio fraco, o pendura dos títulos bancários foi inevitável.
Já sem poder mais prorrogar os vencimentos, repetidamente adiados e prestes a receber uma inspeção da auditoria, o diligente bancário apontou que teria que recorrer ao cartório de protestos.
Foi aí que sentiu a reação que nunca poderia esperar da cliente (prime, personnalité) tão especial:
-Se você fizer isso, Aparecida nunca mais arranja uma empregada por aqui.
Os papagaios foram esquecidos no fundo da gaveta, de chave perdida, até a chegada de melhores tempos. E negócios.
(Publicação original em 08/07/2019)
Senhora e a Empregada Doméstica (1667) – Johannes Vermeer
Ciduca foi um dos melhores amigos, morava perto de minha casa
Todos os dias saímos para correr. Saíamos do Machadão até o Hospital Onofre Lopes, chamado então de Hospital das Clínicas. Aos domingos íamos até o forte e subíamos a ladeira correndo. Haja fôlego. No dia em que completei 70 anos fiz esse percurso.