MEMÓRIAS NEGOCIADAS
Sem contar com o de Monteiro Lobato, depois do de Atibaia, o sítio do amigo mais famoso é o que Olavo Bilac derramou poesia no anúncio para os classificados do jornal:
Vende-se encantadora propriedade onde cantam os pássaros, ao amanhecer, no extenso arvoredo.
É cortada por cristalinas e refrescantes águas de um ribeirão.
A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda.
Tempos depois, o poeta encontrou o amigo, infeliz proprietário, e perguntou-lhe se tinha vendido a herdade.
Nem pensei mais nisso, quando li o anúncio que você escreveu, percebi a maravilha que eu possuía.
A estória é conhecidíssima e serve para lembrar o valor que tem, o que nos pertence.
Nestes tempos de negócios imobiliários em baixíssima cotação, pra não dizer paralisados, a oportunidade de vender uma casa em ruínas, numa cidade que já teve mais movimento e oportunidades comerciais, não é de se perder.
Tirando a verdade que resiste ao tempo, quem desdenha quer comprar.
O consultor de negócios imobiliários, em priscas, corretor de imóveis, já sabendo tudo do que lhe renderia uma merecida comissão, começa a conversa, em arrodeios, a três quarteirões da Rua Presidente Getúlio Vargas, na sempre inesquecível Nova Cruz.
E parou na óbvia encruzilhada, convergência de todo negócio promissor, onde encontram-se, quem precisa vender e quem quer comprar. Porque o fastio é a fome do comércio.
Depois de responder tudo que o intermediário desejava saber, incluído qual irmão era o real dono do bem de herança, a necessária consulta, se interesssava continuar a negociação, foi transferida a quem de direito imobiliário.
As clássicas informações e argumentos secundários, da crise no setor e a escassez de compradores, passando pela lembrança que o pulso e o coração da cidade há muito haviam subido a Treze de Maio, já passando do Alto de São Sebastião, fugindo em direção da Paraíba.
Nem a revelação que o valor pago por mansão, coisa maior e melhor, na mesma rua, foi aquém da tentadora avaliação, sensibilizou o desanimado vendedor.
O investidor de Jacaraú que planejava uma filial da sua madeireira em rua de fácil estacionamento e proximidade com agências bancárias, não sabia que o que almejava não era somente um pedaço de 20 X 40. Estava adquirindo seu lugar na história da cidade.
Ali funcionou, por décadas, o Cosmopolita Hotel, icônico centro de turismo de negócios, na bacia do Bujarí-Curimataú.
Na sua calçada, nas bocas de noites de ventos frescos, em roda de conversas, passavam as notícias que não saíam na Globo. Nem na TV Jornal do Commercio.
Se o pretenso investidor soubesse um pouco mais onde iria aplicar seus recursos, ficaria sabendo que foi de uma das suas janelas, que o Capitão José da Penha, o primeiro líder popular a desafiar a oligarquia Albuquerque Maranhão, fez palanque para proferir o imortal discurso e vilipêndio que espantou todos os votos que poderia conquistar na “nesga do Rio Grande do Norte e pedaço infeliz da Rússia”.
Se soubesse que nasceu naquele casarão de estilo pós-manuelino, o maior poeta da Rainha do Agreste, o imortal Diógenes da Cunha Lima Filho, o agenciador da compra e venda haveria de agregar valores telúricos à sua argentária e fria avaliação.
(O texto publicado em 20/07/2020 é repetido, em comemoração à venda da propriedade pelo mano Cassiano.
Nova Cruz vai ganhar um moderno e estratégico parque de estacionamento. De cancela eletrônica e tudo)