NO RIO, SEM MUITO PRAZER
Viagens aéreas já foram acontecimentos raros, especiais, extraordinários, e sempre planejados com muita antecedência.
Toda a família, os 50 vizinhos da direita e outro tanto da esquerda, comunicados, participavam dos preparativos da epopeia.
Criava-se uma expectativa que incluía sempre a inevitável pergunta, se o viajante tinha medo de voar.
Quem não tinha, acabava tendo.
Ninguém ficava sem os conselhos dos mais voados e experientes.
Verdadeiros tutoriais com orientações que incluíam uísque e cigarro. Antes, durante e depois do vôo.
A indumentária, um capítulo à parte.
No saguão-passarela, desfilava le dernier cri de la mode.
Esporte fino, ou domingueira, para os mais jovens. Mais velhos e bem sucedidos, iam de paletó e gravata.
Sobre as cabeças, os aviões, os penteados e muito laquê.
Não faltavam os comitês de despedida e recepção. Proporcionais à distância, motivo e duração do tour.
Regra da boa etiqueta: quem não podia comparecer ao aeroporto, justificava a ausência.
Como não se pensava ainda em SEDEX, sobravam encomendas. A serem entregues no destino final de tantas escalas. E a depender do conteúdo, sempre muito aguardadas, por muita gente.
Na família da namorada de relacionamento sério, uma mala sempre entalada com carne de sol e complementos, competia com pilotos experientes, horas de cabine, no trajeto Natal-Rio-Natal.
Com tantas escalas, o pouso deve ter atrasado uma eternidade.
Só isso para explicar, no desembarque, a reação daquele parente meio distante, meio idoso, meio rico, conhecido pela irreverência (às vezes, pelo mau humor) que seria apresentado na ocasião, mas recusou o aperto de mão.
Não quero conhecer mais ninguém. Já convivo com muita gente sem futuro, nesse mundo.
Viraram amigos.
Juntos, frequentaram os melhores lugares da cidade, desde o primeiro Degrau.
(A publicação original de junho/2020, sofreu alterações)
Não tem como não apreciar a prosa do neo-escriba cujos textos fazem inveja. Bom gosto e elegância na arte de escrever.