29 de março de 2024
Familia

NO RIO, SEM MUITO PRAZER

Autorretrato com Evariste Valernes” (1865) – Edgar Degas – Museu de Orsay, Paris


Viagens aéreas já foram acontecimentos raros,  especiais, extraordinários, e sempre planejados  com  muita antecedência.

Toda a família, os 50 vizinhos da direita e outro tanto da esquerda, comunicados,  participavam dos preparativos da epopeia.

Criava-se uma expectativa  que incluía sempre a inevitável pergunta, se o viajante tinha medo de voar.

Quem não tinha, acabava tendo.

Ninguém ficava sem os conselhos dos  mais voados e experientes.

Verdadeiros tutoriais com orientações que incluíam uísque e cigarro. Antes, durante e depois do vôo.

A indumentária, um capítulo à parte.

No saguão-passarela, desfilava le dernier cri de la mode.

Esporte fino, ou domingueira, para os mais jovens.  Mais velhos e bem sucedidos, iam de paletó e gravata.

Sobre as cabeças, os aviões, os penteados e muito laquê.

Não faltavam os comitês de despedida e recepção. Proporcionais à distância, motivo e duração do tour.

Regra da boa etiqueta: quem não podia comparecer ao aeroporto, justificava a ausência.

Como não se  pensava ainda em SEDEX, sobravam encomendas. A serem entregues no destino final de tantas escalas. E a  depender do conteúdo, sempre muito aguardadas,  por muita gente.

Na família da namorada de relacionamento sério, uma mala sempre entalada com carne de sol e complementos, competia com pilotos experientes, horas de cabine, no trajeto Natal-Rio-Natal.

Com tantas escalas, o pouso deve ter atrasado uma eternidade.

Só isso para explicar, no desembarque, a reação  daquele parente meio distante, meio idoso, meio rico, conhecido pela irreverência (às vezes, pelo mau humor) que seria apresentado na ocasião, mas recusou o aperto de mão.

Não quero conhecer mais ninguém. Já convivo com muita gente sem futuro, nesse mundo.

Viraram amigos.

Juntos, frequentaram os melhores lugares da cidade, desde o primeiro Degrau.

 

Amigos no Teatro, Ludovic Halevy e Albert Cave (1879) – Edgar Degas – Museu de Orsay, Paris

(A publicação original de junho/2020, sofreu alterações)

One thought on “NO RIO, SEM MUITO PRAZER

  • Geraldo Batista de Araújo

    Não tem como não apreciar a prosa do neo-escriba cujos textos fazem inveja. Bom gosto e elegância na arte de escrever.

    Resposta

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