29 de março de 2024
Racismo

O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA NEGRA

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O país miscigenado ainda está atordoado com a explosão de violência no estacionamento do supermercado de Porto Alegre.

As chocantes cenas da  barbárie despertaram  muitas consciências negras.

Guga Chacra, correspondente internacional, revelou para seus seguidores em rede social que nunca teve, nas escolas que frequentou,  um colega de turma, negro.

Até encontrar Maju Coutinho no curso de jornalismo. A única entre todos da classe.

Cada um tem suas estórias para contar.

Até quem nunca se declarou branco. E preto não nasceu.

A escravidão já havia sido abolida, na interinidade da  princesa imperatriz,  há 23 anos, quando Francisco Teixeira veio ao mundo de privações no cariri paraibano.

Aos 18, conquistou a liberdade. Trocou família, Pocinhos e uma história nunca contada, pela busca do Eldorado.

Aos pés da serra da Borborema encontrou seu Shangri-lá.

Força física e disposição para o trabalho duro, suas credenciais e carta de alforria.

Na vila que se transformava em cidade pelo  progresso que os cavalos de ferro transportavam, o primeiro emprego.

Aprendiz.

De calçador de ruas.

Recrutado pelos recém-casados senhorzinhos da casa grande, assumiu novas responsabilidades.
Fez de tudo.

Carregador d’água em pau de galão.

No ombro, duas latas de querosene jacaré, 18 litros, equilibradas, uma de cada lado.

Gestor doméstico do precioso líquido, garantia o mesmo frescor dos mananciais do Pequirí, com o controle rígido das reservas guardadas em jarras de barro.

Para os banhos, entregava na bacia, com temperatura ao gosto do cliente.

O serviço só estava indisponível nas quartas-feiras de trevas.

Às segundas-feiras, dia das compras, pegava na rodilha.

No balaio, trazia comida para um batalhão.

Teve seus amores e filhos mas nunca deixou o quarto amplo, arejado e exclusivo.

De onde velava  todo o casarão.

Espalhava pelos alpendres, os passarinhos que pegava nas matas de Jacaraú.

Vendia e trocava.

Menos um, o defensor de sua honra.

A resposta aos  moleques que ousavam  gritar a frase proibida: Chico Preto morreu, ecoava num festival de impropérios do papagaio fiel.

Qual um miliciano, capturava os patrõezinhos  transgressores onde estivessem escondidos mas logo virava advogado de defesa, clamando da rigorosa juíza,  abrandamento das penas.

Hábitos salutares, o segredo da longa vida.

Almoço sempre depois das três da tarde. No cardápio, tudo que coubesse numa gamela de ágata, sem nunca faltar feijão, mistura e muita farinha de roça.

A receita envolvida em panos de prato era  abafada no fundo do armário até a hora do consumo.

Não recomendava requentar.

Nas horas vagas, cachimbo, cerveja e fé no jogo do bicho.

Poucas exigências.

Desde que o fumo fosse de Arapiraca e a Brahma, casco escuro e à temperatura ambiente.

Nunca votou.

Nem quando foi impedido pela imperfeição da  assinatura, nem quando o sagrado direito foi estendido aos iletrados.

Sobreviveu aos senhorios e à igualmente longeva governanta, companheira de trabalho, amiga e confidente.

Por mais de dez anos foi o único morador da casa grande.

Proprietário e patrão de si mesmo.

Faleceu, pacificamente, poucos meses depois de comemorar o aniversário de 100 anos.

Seus restos mortais repousam no cemitério de Nova Cruz.

No mesmo jazigo dos amigos de toda a vida, Lauro e Joanita Arruda.

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Marluce Arruda Diniz e Chico Preto Foto: Francisco Diniz

 

One thought on “O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA NEGRA

  • Onézimo Fernandes

    Bela homenagem

    Resposta

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