O GRANDE TRAPACEIRO
Estórias de tipos marcantes em lembranças da infância, se repetem, trocando apenas os lugares onde aconteceram.
Jogadores compulsivos, fortunas perdidas num dia de azar, patos e cabreiros, figuras que enchem a memória de quem era, pela idade, proibido de participar do festival de ilusões.
Tributino era diferente.
Nômade, não deixava que seus pequenos golpes fossem conhecidos.
De repente, sumia.
E num passe de mágica, aparecia onde mais estivesse rodando os números da sorte.
Para o menino curioso, aquele senhor irradiava mistério. Só podia ter algum superpoder, mágico.
Um mandrake de roupas brancas, iludindo o agreste.
Ninguém sabia ao certo, mas dizem que era das bandas de Macau. Voltava de vez em quando, sempre nas festas de fim de ano, na quermesse da paróquia e nas campanhas eleitorais.
Circulando entre as barracas do resplandecente cassino a céu aberto, armado na rua grande.
Divinos vícios, invisíveis à lei, permitidos pela santa causa e abençoados pelo pároco.
Bem vestido, paletó de linho branco, engomado, sapatos de duas cores, cabeleira alva, penteado armado em pasta de brilhantina. Chapéu ramenzoni à mão para alguma necessidade.
Na faixa dos 60.
Parecia conhecer todo mundo, e ser velho conhecido dos não mais tão jovens .
Com fama de sabido, entendia de tudo.
No inconsciente coletivo, um irresistível vivaldino.
Na noite animada, a roleta girando solta, muitos apostadores e uma plateia dos que já não tinham o que gastar e outros tantos, criando coragem para depositar toda a fé no número da sorte.
Tributino foi chegando com jeito de quem nada queria. Além de apreciar o balé e a sinfonia do monte de fichas sendo empilhadas, derrubadas, misturadas às dos perdedores e entregues aos sortudos ganhadores.
Ou recolhidas pelo rolo do dealer na zero roleta.
Com gestos, caras, bocas e trismos , demonstrava aos circunstantes que também participava de cada sorteio.
Num jogo particular, silencioso, imaterial.
Nos sorrisos de satisfação, os poucos momentos de alegria pelo pequeno ganho; nas carrancas, a decepção das muitas perdas.
A empatia com os jogadores de verdade foi evoluindo, a até o ponto da aceitação tácita no embate imaginário.
Ganhava ou perdia, sem precisar ao menos comprar nem depositar fichas.
Passou a entregar ao croupier o dinheiro correspondente ao que dizia ter apostado em pensamento. E perdia. Sempre em valores pequenos.
A banca animada com a sequência de rodadas desfavoráveis ao agora fiel apostador, aceitava de bom grado.
Até que o discreto jogador deu um soco no ar, e falou para todos que vinham acompanhando sua sequência de infortúnios, que a sorte finalmente bafejara em seu favor.
Que naquela rodada havia jogado todas as fichas, fictícias, num lance reto e era merecedor de um prêmio de 35:1
Bolinha parada, apostas suspensas e caso pra ser resolvido pelo delegado.
Ou pelo padre.
(Publicação original no dia das crianças, há dois anos)
Continua muito bom, sem retoques.
Comtinua muito bom, sem retoques.