OLHA O QUE ELES ESTÃO FALANDO
Não era o mordomo, o culpado.
Pelo menos do que não devia ser ensinado às nossas crianças. Quem pagava o pato era sempre a babá.
Antes do império das teorias psicopedagógicas, das escolas canadenses e das baby sitters com estágios em Miami, eram as mocinhas vindas do interior que mais influenciavam o vocabulário e o linguajar dos privilegiados com funcionária de dedicação exclusiva, em tempo integral.
A farda branca, imaculada, não escondia a falta de oportunidades e formação de quem, por vezes, deixava os próprios filhos aos cuidados dos avós, ou ao léu, para cuidar dos outros.
Traziam costumes e dizeres.
Falavam em dialetos incompreendidos na cidade grande.
Qualquer mau hábito, vício de linguagem ou palavra inadequada no vocabulário do educando, sem maiores procuras, a principal e única suspeita era logo encontrada.
Neste conturbado início de década do século XXI, se pode concluir que a reforma da lei trabalhista, a crise econômica e o expediente em home office não têm contribuído para a formação correta da oralidade da meninada.
Além de ter transformado as secretárias do lar em espécies com risco de desaparecerem da floresta urbana, a troca dos cuidadores não repercutiu na melhoria gramatical dos pré-escolares.
Agora fica fácil saber quem foi o mestre que ensinou o que não constava da grade curricular de quem se espera prosódia contida e elegante.
É também de se reconhecer a adequação do que é dito, se é apropriado ao diálogo e à ocasião, em palavreado informal, beirando o vulgar.
Por mais versados que sejam em Piaget, pais modernos terão sempre a dúvida se devem ensinar o certo do que consideram errado ou dito em horas inapropriadas.
Ainda tem brecha na área cerebral da culpa, para responsabilizar os ajudantes que prestam serviços de puericultura eletrônica à distância.
Youtubers e digital influencers devem ser postos sob suspeição, desprovidos que são, de maiores recursos estilísticos na comunicação verbal.
Se a nova palavra descoberta contiver cinco letras em duas sílabas e for repetida à exaustão em toda frase, muitas vezes fora de qualquer contexto, porra meu, é certo que aprendeu nas aulas do professor bonachão, nas aulas pela TV, das tardes de domingo.
Quando o pirralho ainda por completar dois anos, diante de uma situação frustrante, disse, com toda a propriedade, a locução interjetiva mais usada em Portugal e ex-colônias, para expressar o tamanho do susto, o momento pode ser aproveitado para demonstração pedagógica da norma culta do idioma pastorado pelo Profº Pasquale.
Para o transtorno fonológico não se transformar em dislexia é aconselhada aos educadores, a correção das letras trocadas pelos aprendizes.
Ouvindo o certo, a criança deixa de falar de forma incorreta.
O segredo do sucesso é a paciência do professor.
Ouvir o errado e repetir o certo.
Repetir.
Não cansar de corrigir.
E repetir.
Mas se faltar fleuma e saco, não há outra coisa a fazer, senão esbravejar do jeitinho que o pequeno aluno aprendeu com alguém mais crescido.
Pata paliu!
Jean Piaget (1896-1980)
O texto de hoje contou com a inestimável ajuda do sobrinho-neto, Romeu Arruda Câmara Quaresma.
Muito bom o
texto de hoje e os
de outos dias também.