OS QUE NÃO TÊM CONSERTO, NEM NUNCA TERÃO
Aqueles eletrodomésticos que a gente ganhava de presente dos padrinhos de casamento e a vida toda não esquecia quem deu, são agora, descartáveis.
Entram e saem da moda, como camisas volta ao mundo.
No tempo que achávamos que tudo era nosso, o tempo e o mundo.
Quanta diferença!
Ferro de engomar, feito de flandre e plástico.
Liquidificador, com velocidade de Usain Bolt, nunca necessária.
Enceradeira que não brilha porcelanato.
Batedeira, pra quem faz bolo de padaria.
Faqueiro de aço suíço, que desaparece peça a peça, passível de enquadramento no artigo 482 da CLT.
Porcelana inglesa, resistente a super bonder.
Não são mais como os de antigamente. Nada se faz mais.Tudo já vem feito, de fora, de muito longe das nossas casas.
Poliglotas e polivalentes, com instruções em toda língua e desenho.
Voltagem pra qualquer fio, e tomada de todo pino.
Presidiários fabricam, sonegadores trazem, camelôs vendem.
Nós compramos.
Ao preço de 1,99. Corrigida a variação do dólar.
E la garantia?
Soy yo.
Estamos mesmo dominados.
Eles vieram, viram e venceram.
Há tempos, invadiram nossos lares, mas levaram um tempo para ganhar confiança.
Que no começo era cisma só, de tão baratos, não duravam, nem prestavam.
Quem haveria de imaginar um mirrado ching ling no altar da telefunken, santa alemã parruda que como carro japonês, nunca dava oficina.
E foram chegando.
Singrando mares.
Desembarcando em porto que nunca existiu, no lago azul de Ypacaraí.
Por todo canto, ocuparam espaços.
É só cair uma neblina que na próxima esquina, sombrinhas e guarda-chuvas descem automaticamente dos céus, para nos proteger de resfriados.
Daqueles, das velhas, boas e esperadas epidemias. Agravados por mormaço, não resistiam à uma dose de limão com mel, nem ao chulo mastruz com leite.
Da última remessa, como uma inacreditável onda, chegaram arrasando quarteirões, parando tudo, até guarda de trânsito.
Em meio ao caos instalado, deram lições de comportamento que não se traduziram no anunciado aparecimento de um novo normal.
Na política, não é diferente, mas parece que ninguém entendeu ainda que não compensa consertar os velhos conhecidos nas próximas eleições.
É mais fácil, barato e lógico, comprar novo.
O pintor surrealista Jeff Christensen mora em Salt Lake City, Utah.
(Publicação original em 09/04/2020)