20 de abril de 2024
Comportamento

PEQUENA INVEJA

D547007D-C4D1-4DBC-BC94-77F8D047800E
Inveja (1895) – Edvard Munch – Munch Museum, Oslo

Para formar o escrete da coleção Plenos Pecados, a Editora Record convocou os melhores e os que escreviam com maior sucesso, artigos e crônicas nos mais importantes jornais e revistas.

A última década do século passado estava começando,  com os mesmos pecados de sempre.

Os capitais, cada um,  entregue e confiado a um autor.

O tema livre e a penitência, a serem procurados nas estantes empoeiradas das memórias adormecidas.

A estréia coube a Zuenir Ventura, 90 anos, já veterano jornalista de grandes reportagens, merecedoras dos maiores prêmios.

Esso e Jabuti, só pra ficar no topo dos tops.

Publicado em 1989, A Inveja recebeu epíteto claramente inspirado em Nelson Rodrigues.

O Mal Secreto.

A invídia é o sentimento solitário nunca admitido.  Conhecedor da alma, das fraquezas, da vida das pessoas, e como ela é, o dramaturgo maldito havia dado  a dimensão do segredo:

Há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium depois de morto

Escrito durante um longo tratamento para um tumor de bexiga, o livro é uma viagem por consultórios médicos em buscas de cura  para o corpo. E mente.

Mesmo nessas circunstâncias, o sentimento tão escondido, teimava em aflorar.

Até da atitude e maneira de encarar problema semelhante, mas de maior gravidade, como do amigo  Darcy Ribeiro, falecido poucos anos antes do início da obra por encomenda:

Câncer dá um prestígio danado

A sensação que faz incontrolável o desejo de ter o que o outro tem, pensar como seria se ocupasse a posição do chefe ou se tivesse a estampa do amigo conquistador, é ativada na mesma área do cérebro que registra as dores do corpo.

E como dói.

A coleção que continuou em mais seis estações dolorosas (e de prazeres), foi um dos maiores sucessos editoriais e continua a ser revisitada, como referência, quando se quer tratar de sentimentos básicos. E instintos primitivos.

Lançada quando a internet ainda parecia coisa de cientista maluco, não retratou (nem deu prints) as novas apresentações dos desvios e vícios da condição humana.

Em dias de isolamento social, nos chats familiares que amenizavam as saudades dos avós, a revelação que no jogo de quem perde e quem ganha, a inveja estava presente na gente miúda e inocente.

Em áudios controlados pelos pais, no grupo de troca de mensagens, uma reclamação, uma reprimenda e uma confissão de culpa. Com direito a perdão.

O neto de sete anos externou insatisfação e delatou o irmão dois anos mais novo.

Por não ter conseguido como ele, empilhar as cartas de baralho na formação do castelo, aparentando desinteresse, destruiu a construção, o trabalho, a atenção e a demorada paciência do único parceiro nas brincadeiras, então distanciadas dos amigos.

Na sabedoria dos seus três aninhos, a prima, falando do outro lado da linha, do outro Rio Grande, veio com comentário e conselho, dizendo não ser certo “esmagar” o trabalho do outro.

A justificativa e o reconhecimento da culpa foram  de receber absolvição sumária, em indulgência de pecado venial.

Laurinha, eu estava com inveja.          Isso acontece algumas vezes comigo

C9567CC7-423B-4398-ACC0-8AADE912B587
Quatro garotas em Åsgårdstrand (1903) – Edvard Munch – Munch Museum, Oslo

96DCD989-E0D2-482C-BEEF-6131A099EE6C

Melancolia da Noite (1896) – Edvard Munch -Munch Museum, Oslo

36B93E96-E4EA-4488-BFE3-7837E27E8438
Metabolismo (1899) – Edvard Munch – Munch Museum, Oslo


(Qualquer semelhança com texto publicado – com modificações- em 22/01/2021, não terá sido mera coincidência)

One thought on “PEQUENA INVEJA

  • GERALDO Batista de Araújo

    Concordo com tudo.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *