PREJÚ DE NATAL
Nem São Longuinho, nem Santo Antônio.
Quando o assunto é pertinente ao departamento de achados e perdidos, na família restrita, é outro venerável a quem se recorre.
Padroeiro dos engasgados e das doenças do aparelho respiratório superior (desde que retirou um espinho da garganta de uma criança), São Brás não foi ainda convocado para o combate ao coronavírus.
Mas não falha quando invocado para procurar coisas desaparecidas.
Entre as compras de Natal, no ano da pandemia, a opção online incluiu um auto-presente para ser recebido da patroa consorte, como surpresa, na véspera da festa mais esperada.
Nos dias que antecederam a ceia que aglomerou, sem colaterais, até a segunda descendência, os embrulhos foram se acumulando ao redor do pinheirinho fake, no canto da sala.
Na noite feliz, a ansiedade dos netos não esperou pela liturgia das tradições.
Antes do pouso do chester na mesa larga, os pacotes coloridos já estavam estraçalhados.
A montanha de caixas vazias, embalagens e papéis laminados recolhida, foi depositada e levada pelo reciclável, no dia seguinte.
Passada a ressaca, na conferência dos excessos das compras por impulso, no extrato do cartão de crédito, o pagamento constava apontado para liquidação mas o mimo não podia ser incluído no balanço entre doados e recebidos.
A confirmação da presenteadora que não fez a entrega simbólica da mercadoria (por não tê-la encontrado), deflagrou uma operação de buscas em todos os cantos da casa, com varredura nos guardados.
E telefonemas para os filhos, na possibilidade de inclusão involuntária na bagagem dos viajantes.
O certo é que o par de tênis com a mais avançada tecnologia japonesa, palmilhas em gel e a garantia de alcançar uma mente sã em corpo são, a começar pelos pés, não foi encontrado.
Dado por inexoravelmente perdido, uma possibilidade apascentava o espírito, já de novo, pouco natalino.
A imaginada alegria do catador de lixo, ao encontrar aquela botija.
A frustração de não desfilar com o novo e fosforescente pisante, na primeira caminhada do ano, foi agravada por comentário ilustrativo de uma conversa entre madrugadores.
Para quantificar o grau de avareza do personagem na berlinda, a menção que o argentário andava com calçado de lona, furada, mexeu na ferida do bolso de quem pagou e não levou.
Antes que o amigo percebesse que o usado, ali ao lado, já havia entrado com pedido de aposentadoria pelo mesmo motivo, invalidez permanente, a pesquisa pelos sites de vendas e alguma pechincha, foi deflagrada mais uma vez.
A compra só não foi concluída, pela indecisão se não seria de mal augúrio. Escolher o mesmo modelo do desaparecido.
Foi quando, em minuciosa limpeza, a faxineira anunciou, qual Arquimedes, ter encontrado o objeto do mistério. E sua explicação.
No fundo do guarda-roupas, escondido por trás dos paletós de pouco uso, jazia o afamado fujão.
Ávido para sair do confinamento, batendo pernas por aí.