19 de abril de 2024
Memória

QUERIDOS, VOLTEI DE NOVO

 

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Decalcomania (1966) – René Magritte – Coleção Dra. Noémi Perelman Mattis e Dr. Daniel C. Mattis – Salt Lake City, Utah


Quem nunca teve problemas com a
alínea 11, que assine o primeiro cheque sem provimento de fundos.

Os nascido sob os signos dos docs e teds, nutridos com transferências online e pixs, nunca terão a sensação (e o frio na espinha) de receber, de volta, um envelope do banco com um cheque cheio de carimbos no verso.

Antepassados dos cartões de crédito e débito, os substitutos da moeda em espécie e papel, eram companhias tão frequentes como são hoje,  os telefones celulares.

Ninguém saia de casa sem dois acessórios.

Um pedaço de tecido, de cambraia de linho ou popeline, de 30X30 cm e os talonários com as ordens para pagamentos pessoais.

Os vovôs dos hackers, golpistas e trambiqueiros por traços genéticos, já faziam misérias com aquelas tiras de papel. E com a boa-fé e a ingenuidade dos crédulos, caídos em  conversa bonita e fiada.

Comerciantes eram divididos entre os que recebiam e os que proibiam a aterrissagem dos voadores em seus balcões.

Os borrachudos foram estudado às minúcias, dissecados, e classificados na taxonomia burocrática, como insetos fossem.

Contam que traficavam no contrabando, vindas do Japão (antes do domínio chinês sobre as bugingangas a 1,99),  canetas de tinta evanescente que desaparecia nas longas filas,  antes que  o cliente chegasse ao guichê de pagamentos e recebimentos.

O folclore registra o caso de empresário e chefe político cuja rubrica era tão reduzida, que aposta no canto inferior dos insistentes, com a manipulação das muitas idas, vindas e devoluções, tornava-se ilegível.

E apócrifo, o bate-e-volta.

Os frios (e mal calculados) foram sucedidos pelos especiais.

Com garantia de pagamento até um determinado valor, os bancos compensavam os avanços,  em crédito automático,  com posteriores cobranças amigáveis, de escorchantes juros.

Para que se evitasse a volta do boêmio, todo cuidado era pouco.

Por diferença de centavos, o bumerangue estava de novo nas mãos do lançador como um cururu expulso a vassouradas.

Os rejeitados e desonrados viraram sinônimo de coisa sem valor.

Faziam de quem os recebiam, otários.

E os emitentes, xingados à quarta geração, mais do que filhos de origem pouco recomendável, portadores de rebuscados apêndices ósseos na testa.

Não havia vergonha maior que o humilhante título de passador de cheque sem fundo.

Nos acertos dos honorários médicos, eram peças-chaves ao encontro de contas entre colegas.

Ficou marcado nos créditos da memória, um inesquecível desencontro, passados quarenta anos.

Nos tempos que a procedência confiável permitia o repasse do dinheiro provisório para outrem, familiares participavam da ciranda financeira.

A mãe do chefe da equipe urológica manteve,  por meses, uma relíquia não aceita pelo zeloso escriturário II, depois de consultado o sub-gerente do Banco do Brasil.

Até que o assunto,  perdas em valores monetários irrecuperáveis, surgiu numa conversa  de almoço dominical de filhos e netos.

O lamentável engano de quem não se esperava, revelado com timidez maternal, foi esclarecido e devidamente desfeito, depois  da necessária correção  monetária.

Outro checão,  preenchido após  verificação cuidadosa das somas e subtrações anotadas no canhoto, restabeleceu a honra e o crédito do amigo.

Daquela vez, só por precaução, descontado na boca do caixa.

(Alínea 12. Segunda apresentação do texto devolvido originalmente em  5/1/2021)

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Cheque em Branco (1965) – René Magritte – Museu René Magrite em Jette, Bélgica

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