RECALL DE HERÓI
Nos momentos de maior tensão e perigo, quando não parece haver mais saídas, é que se espanta o desânimo e se procura ajuda nas forças superiores.
Enquanto o além não se manifesta, sobram candidatos a heróis de carne e osso para nos proteger.
Com a escassez de matéria prima genuinamente nacional, o jeito é recorrer à importação de modelos que ainda não são produzidos em série pela política tupinambá.
Jacinda Ardern, das longínquas novas terras do mar, eleita primeiro-ministra aos 36 anos, casada sem papel passado, mãe durante o exercício do mandato, liderou o país de menos de 5 milhões de habitantes com sabedoria e firmeza.
Convenceu os descendentes dos Māoris da Aotearoa e os abandonados por James Cook a se isolarem ainda mais.
Do resto do mundo, das outras ilhas, do arquipélago e dos vizinhos.
Sua estratégia e o índice de desenvolvimento humano dos ilhéus ajudaram.
Hoje, os neozelandeses podem se orgulhar do melhor desempenho no enfrentamento da pandemia.
Somam menos de 30, as mortes desde que a primeira onda quebrou em Matai Bay.
Algum trauma de gênero ainda não superado e a dificuldade de estocar e trazer ventos daqueles fins de mundo, levam à travessia do Pacífico para procurar modelo de proteção nas terras dos super-heróis.
Na capital do mundo, um valente e destemido sessentão, sentado à frente de câmeras, microfones e muitos holofotes, deu lições de como lidar com a falta de recursos, que antes pareciam inesgotáveis na meca da riqueza, no campo de batalha mais violento de todos.
Fez tudo que agrada, conforta e corre rápido na mídia.
Inflou hospital de lona e campanha no Central Park, ancorou navios-hospitais no píer do Hudson, encheu hotéis de médicos e enfermeiros em descanso, estacionou caminhões-frigoríficos em frente aos hospitais que tratam os negros e chicanos do Bronx, mastigou números, deglutiu estatísticas e falou do futuro com determinação e confiança dos que vão vencer.
Espalhou esperança e colheu os primeiros frutos do sucesso.
A mais completa tradução da aristocracia yankee, filho de governador, tendo sido casado com uma Kennedy legítima (sobrinha de John, filha de Bob), governando o estado há dez anos, ainda com direito a mais uma reeleição, Andrew Cuomo experimenta o amargo sabor da dúvida.
Seus 111 briefings mereceram o mais disputado prêmio conferido ao jornalismo de TV.
Na velocidade dos tsunamis de contaminação, o Emmy chegou junto com denúncias de manipulação de dados para sua administração sair melhor na telinha e na foto.
Deslizes que não ficam somente no dourado das pílulas.
Acusações de falhas na assistência e mortes escondidas de idosos começam a aparecer no mesmo horário nobre que ocupou com tanta eficiência.
O sonho de um salto democrata para suceder o presidente octagenário parece ter acabado, como outra jaboticaba da política americana.
As denúncias de assédio sexual (já na terceira assessora bolinada) poderá virar sentença de aposentadoria a bem da moral pública.
Enquanto isso, nas florestas tropicais desmatadas, ruas, campos e construções, os degradados filhos da mediocridade seguem sem rumo e sem guia.
Quem sabe, antes da próxima curva ascendente, não apareça um novo paladino para nos salvar das trapalhadas do supercapitão?