SÍNDROME DA CHINA
Sabe a velha estória que um raio não cai pela segunda vez no mesmo lugar? Esqueça.
A retirada involuntária e abrupta das atividades rotineiras, do convívio familiar mais amplo e dos amigos, é uma violência sem tamanho.
Viver, sob coação, em ambiente limitado sem o direito legal de ir e vir, a depender do tempo decorrido, pode levar ao final, a uma situação de estresse pós-traumático.
Ou desenvolver uma inexplicável admiração pelo opressor.
A chamada Síndrome de Estocolmo.
Ainda não se tem notícias de estudos psicológicos sobre o comportamento dos que enfrentam o confinamento pelo coronavírus, com a experiência traumática de um sequestro anterior.
(Publicação original em 10/07/2019)
SEQUESTROQuase vinte anos depois, a onda de violência arrebenta de novo na mesma praia. A minha.
No início do século, agressão por arma branca em tentativa de assalto. E a volta da última viagem quando já dava pra avistar as luzes do paraíso.
Agora, um crime mais elaborado. Urdido por gente bem preparada, com muita experiência.
Sequestro.
O local do início da ocorrência, o mais improvável. Mas dizem os especialistas, é de onde menos se espera que surge o inesperado.
Caminhada diária e matinal com amigos. No domingo, a frequência ao parque é sempre menor. Muitos viajam. Vão às praias e fazendas.
No portão principal, muito próximo dos guardas da vigilância, um senhor de idade e boa aparência. Trajava bermudas, camisa de mangas curtas, de botão. Tênis e boné do América.
Detalhe que pode ajudar mais pra frente: na mão direita, um pedaço de pau. Envernizado. Desses que muita gente carrega pra se livrar dos cachorros de rua.
Me chama pelo nome e vai logo dizendo que tem alguma coisa para me mostrar.
Caminhamos juntos até um Classic com bons quinze anos de uso. Senta-se ao volante, abre a porta do carona e pede que eu entre. Mal me acomodo no banco e o bólido sai a toda. A corrida não leva mais que cinco minutos.
Portão eletrônico acionado e entramos em lugar onde nunca havia estado. Um condomínio de classe média alta.
Sou forçado a segui-lo. Tomamos o elevador que parou no quarto andar. No apartamento, pela fresta da porta entreaberta, deu pra ver que uma mulher dormia. Sua cúmplice, certamente.
Naquele instante, pensei rápido. Era ele, o sequestrador e eu.
Daí pra frente, comecei a ficar tranquilo. A motivação e razões do ardil foram explicadas. Muito bem entendidas e aceitas.
Meu algoz passava dos 85 anos e há mais de vinte, nossos caminhos cruzavam-se diariamente. Além dos cumprimentos, rápidas conversas que os ritmos diferentes das passadas permitiam.
Tudo que queria era mostrar onde morava. E como tem sido sua vida na cidade que escolheu para fazer amigos e família, desde que deixou Nova Cruz, alguns anos antes que eu tivesse nascido.
Vida longa. E mansa,
Rosalvo d’Oliveira.