TRÊS VEZES ZIZI
Pessoas com imaginação criativa, raciocínio rápido, presença de espírito e muito tempo para jogar conversa fora, sempre fascinam.
Um personagem digno de figurar em antologias de estórias de realismo fantástico, volta na lembrança para dizer que continua à procura de um biógrafo.
(Publicação original em 05/08/2019)
SETE VIDASVolto ao rescaldo das correções fraternais nas estórias do salão de bilhar da sempre lembrada Nova Cruz.
Elas já renderam duas publicações. Trago mais uma para fechar a trilogia, esperando que a série tenha continuidade com outras delícias que algum conterrâneo venha lembrar.
Nosso personagem, o indefectível proprietário do Bar Continental. Seu Zizi era considerado velho para a época. Cabelos penteadas na glostora. Calças e camisa de linho. Na goma. Sapatos com o brilho que só Baltazar sabia dar.
Achavam que parecia com Adhemar de Barros e com o inventor das lâminas de barbear, Mr. Gillette.
Arrisco que mal tenha entrado nos 60s. Idade que pedia pouco esforço, dieta à base de papas e fundo de rede.
Aposentado da labuta, dava expediente com carga horária medida em conversa fiada.
Estava sempre presente ao lado do filho, Helano (agá mudo) e do outro lado do balcão.
Sentava-se às mesas com pés de ferro e tampos de mármore. Nas horas de pouco movimento ou muito calor, via a vida passar, à sombra, num tamborete na calçada estreita.
Conhecido pelas respostas desconcertantes, tiradas espirituosas e estórias fantásticas, não faltava quem puxasse assunto com ele.
Construção antiga, o centro de entretenimento e jogatina, apesar do estoque de comidas e bebidas e da refrigeração e higiene sofríveis, era zona livre de roedores. Trabalho para um batalhão de gatos, regiamente tratados a leite batizado.
Naquele cenário, não foi difícil achar a inspiração para a conversa do dia.
A discussão tornou-se filosófica: tinham realmente sete vidas os felinos?
Veio de fato relatado, ocorrido na Bananeiras natal, a prova provada da crença popular que não deixava mais dúvida alguma.
Na sua casa no brejo paraibano, certa vez, um gato levou um tiro. A bala entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Contou em tom dramático.
Fez-se aquele silêncio.
E o suspense.Interrompidos pela pergunta mais do que previsível. Se diante de tamanha agressão, o pequeno animal havia morrido.
-Não. De jeito nenhum. Só ficou mouco.