25 de abril de 2024
Comportamento

UM CORPO NA RUA

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Morte no Quarto da Doente (1895) – Edvar Munch – Galeria Nacional, Oslo

Por uma boa piada, tem quem perca amigos.

No humor bem dosado, até os assuntos mais evitados, os últimos tabus, podem ser abordados com graça e leveza.

Em conversas entre amigos, qualquer maneira  de falar, vale o riso e a galhofa. E sempre haverá troco.

Até quando uma boa notícia, parece a pior de todas.

Que a  caminhada matinal, entre outros benefícios à vitalidade, fortalece os músculos, todos estão cansos de saber. Principalmente os oito da língua. Mas não tem a menor graça quando solitária e silente.

Gregária, vira grupo de terapia e ajuda mútua.                                        

Não há catálogo melhor pra encontrar um encanador, médico ou eletricista de confiança. Ainda que persista uma certa deficiência na indicação de marceneiros que cumpram prazos acertados.

Seus trending topics  mudam de posição com o calendário eleitoral, operações da lava jato, separações litigiosas, separações dos mansos e tabelas dos campeonatos de futebol.

Na hora de puxar assunto, há  ainda quem sinta falta da Coluna de Jairo Procópio.

Notícias de doenças, internações e mortes, têm prioridade.

O bonde já ia andando em velocidade de cruzeiro quando chegou um retardatário.                          Pegou a missa já depois do ofertório.

O assunto era a saúde de um ausente.

Não deu pra entender se o que se falava era sobre sua falta parcial ou total.

Que ninguém dá notícia de quem dela goza.

Com tantos facultativos, a conversa, em tom de consternação, era recheada de termos técnicos.  Com intimidade.                                

Tomos, cineangios, cats, stents, por aí.

Sem saber o desfecho que devia ter sido anunciado adrede, arriscou perguntar pelo paciente.

Ou pelo de cujus.

A resposta foi de cortar o coração.

O corpo do amigo estava na Rua São José.

A pergunta seguinte deixou todos surpresos.                       

Se as últimas homenagens já estavam sendo prestadas no Centro de Velório daquele endereço.

Antes que as lágrimas de saudade começassem a brotar e todos os defeitos do finado anistiados, o caso foi devidamente esclarecido.

O corpo do pranteado estava realmente na extensa Rua São José.

Na UTI da Promater.                  

E passava bem.                           

Já de alta, pronto para receber visitas no apartamento.

         (Exéquias originais em 01/08/2019)

D2E8704C-59A1-417C-9797-FAC36431DDA3Operários a caminho de casa (1914) – Edvar Munch – Museu Munch, Oslo

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