28 de março de 2024
Familia

UM POUCO MAIS DO TIO

 

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Quando os álbuns empoeirados de fotos desbotadas pelo guardado são abertos e se remexe nos baús de velhas estórias, outras vão aparecendo e novas versões despertam, para corrigir o que a memória teima em não esquecer.

Setenta anos depois, a linguagem figurada do marido que vai comprar cigarros na esquina e não volta mais para a família, nem para pegar os objetos pessoais, merece correção.

O fumo continua com importância no relato, desempenhando outro papel.

O Tio Zuzinha era homem de princípios e extremos.

Abominava a banana e sua bomba de potássio e enaltecia a saúde em forma de maçã.

Inimigo intransigente do tabagismo, ao descobrir que a patroa fumava às escondidas, planejou uma viagem ao Recife, nos trens da Great Western Railways, para comprar um conjunto de sofás.

Da metrópole pernambucana para a cidade maravilhosa e a liberdade das obrigações familiares, foi um ita.

Generoso, não deixava de ensinar o faminto a pescar.

Transformava os pedidos dos parentes em dificuldades financeiras, em aulas de planejamento econômico e valorização do dinheiro.

De um irmão, recebeu uma longa carta, cheia de lamúrias, reclamando da falta de sorte e oportunidades.

Estava precisando de ajuda para a compra da sonhada casa própria.

Sabedor que o mano não abandonara o antigo vício, além de alertas sobre os malefícios do tabaco, mandou uma conta fechada,  tal resultado final de balanço,  com entradas e saídas.

Calculou a economia diária e quanto tempo de manutenção da abstinência seria necessário para alcançar a exata quantia solicitada.

Quando a filha com quem teve pouca convivência, pediu ajuda para tratamento dentário,  foi radical, sem perder o cuidado com a valorização do seu dinheiro.

Mandou de volta a solução para resolver de uma vez, o problema e evitar futuros gastos com idas ao dentista.

Que mandasse orçamento para extração de todos os dentes. Pagaria também a prótese, a chapa completa.

Participava da vida dos sobrinhos com originalidade.

Artesão em madeira e arames, seus presentes eram personalizados, simples e marcantes.

Para uma sobrinha que visitava com certa frequência, uma cadeira, montada em visita de fim de semana, resistiu por duas gerações.

A sobrinha-neta ganhou de presente de casamento, um cesto de arame para guardar ovos. Até enferrujar.

Um lavador de hortaliças, sem patente e nunca produzido em série,  facilitou a vida de outra neta do irmão.

Não faltou ao casamento de um sobrinho no Outeiro da Glória.

Na hora dos cumprimentos, uma saudação em japonês. De presente, uma mandala de produção própria.

Não compareceu à recepção.

Jamais esqueceu a terra das origens e seus problemas.

Ao sobrinho deputado, encaminhou um projeto de transposição do leito do Rio Curimataú que livraria Nova Cruz , para sempre, de enchentes quando coincidia a descida das suas águas com as do Bujarí.

Na descrição do planejamento, no desenho em cartolina, o novo trajeto do rio ficava bem longe da boemia da Rua do Campo Santo.

(Este textículo contou com a contribuição de sobrinhos de José de Arruda Câmara)

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2 thoughts on “UM POUCO MAIS DO TIO

  • O Zorro

    EU TOMEI A PRIMEIRA DOSE DA VACINA E USO DUAS MÁSCARAS – QUANDO TOMAR A SEGUNDA DOSE USAREI QUATRO MÁSCARAS-

    Resposta
  • Geraldo Batista de Araújo

    Serejo está coberto de razão. O Urologista de descobriu sua veia de escritor e está dando lição de como produzir textículos dignos de um escritor de vera. Alias, o Brasil já produziu muitos bons escritores formados em Medicina. Emilio de Menezes foi um deles.

    Resposta

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