UMA VIAGEM INESQUECÍVEL
Julho de 2000.
Depois de muitos planos, estava começando a viagem dos sonhos da família.
Levaríamos os quatro filhos para quinze dias no Chile. Com direito a muita neve.
Malas prontas, vôo da Varig marcado para o início da tarde. Olívia que vinha sendo tratada de uma inflamação no olho, amanhece com secreção purulenta.
Levada ao colega oftalmologista Zé Rosendo, o diagnóstico: úlcera de córnea consequente a ceratocone.
Férias canceladas, o tratamento que substituiu a aventura nos Andes, transformou-se numa árdua guerra cujas armas foram colírios e orações.
Uma semana depois, surge a perfuração da córnea e a indicação do transplante.
No início deste século XXI, transplantes eram realizados em Natal, esporádica, artesanal e heroicamente graças à abnegação de Marco Rey de Faria que apoiado pelos colegas João Maria Monte e Carlos Alexandre Garcia, conseguiu entusiasmar jovens residentes como Uchoa e Bruno.
Depois de muito pedido a amigos que trabalhavam em UTIs e no ITEP, surge a chance.
O tio de outro paciente de Marco Rey fora assassinado e se providenciássemos os exames, seriam realizados os dois transplantes.
Lembro ter saído com uma seringa com o sangue à procura de um laboratório que fornecesse os resultados a tempo. Não o encontramos.
Alguém lembrou do Hemonorte que resolveu o problema.
Desconfio, graças a uma ex-aluna de Margarita que estava no plantão. Cirurgia realizada ainda com direito a pernoite na clínica.
Seis meses depois, finalmente o Chile.
Olívia não viu o branco da neve.
O verão na Patagônia é uma explosão de muitas cores.
Que este relato pessoal e familiar sirva para lembrar a longa estrada que nos trouxe ao momento desta comemoração.
Setembro de 2011.
A Central de Transplantes realizou seminário e publicou plaquete com depoimentos de familiares e profissionais para marcar a meta alcançada da fila zero de córnea.
Novembro de 2019.
54% das famílias potiguares recusam doar os órgãos de parentes com morte cerebral.
Quase vinte anos depois, com a córnea opacificada, Olívia está, de novo, na fila dos transplantes.
Se não ocorrerem novos atrasos nos pagamentos aos prestadores de serviços nem outros entraves burocráticos, o tempo estimado para ser chamada é de 14 meses.