25 de abril de 2024
Religião

VALEI-NOS, RAINHA DA PAZ

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Iemanjá – Carybé (1911-1997)


Depois de longo período maneta, sem ter como receber as generosas oferendas dos devotos, a mais festejada imagem da rainha do mar havia sido recolhida para restauro.

Os degredados filhos de Eva, pessimistas, já contavam com a ação deletéria da burocracia oficial, de conhecida ineficiência, para  justificar demora na recuperação das chagas causadas pelas  intempéries que o salitre não deixava cicatrizar,  e mutilações pela sanha dos vândalos.

Branca e radiante,  esculpida em pedra calcária, inoxidável, a nova estátua,  uma oferta de grupos religiosos,  com quase nenhum apoio governamental, estava de volta, antes do esperado.

Recuperada sem dinheiro público e cedida, de papel passado, à guarda do governo, esperava-se garantida a integridade física, de quem, da outra dimensão, nos livra dos perigos do mar, dos malfeitores da terra e alivia as dores de amor.

Seu retorno triunfal foi seguido da chegada da maior de todas as pestes, obrigando os fiéis ao confinamento domiciliar.

Quem se aventurasse a um simples passeio sobre areias brancas, ou revigorante banho, corria o risco de ter de correr também da polícia.

No fim do mês de aniversário, um presente sem bilhetes nem rastros, deixado não se sabe por quem, é mais um mistério a ser decifrado pela esfinge santa.

A estátua de Iemanjá amanheceu da cor de ébano, não por conta de malfeitores, é elementar e evidente,  a constatação.

O trabalho executado com esmero e, por que não dizer, devoção, revela  uma guerra secreta que avança pelos terrenos da praia-do-meio-do-caminho.

Na Umbanda, a rainha é branca,  como as virgens costumam ser representadas.

Para o Candomblé, tão negra como a maioria dos seus beatos, em alvas vestes.

É hora de mais uma prece para que um infinito amor não seja dividido, nem se renda ao conflito racial.

A nós volveis, bondosa mãe. Suplicamos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas, que ilumine seu rebanho.

Ó Clemente, Ó Piedosa, Ó Doce Sempre.

De qualquer cor, continue a derramar sobre a cidade aos seus pés, suas graças e bondades.

Que o seu perdão seja concedido a quem crê no arrependimento e nos seus poderes.

Que a mansidão do movimento das marés alcance todos os lares da cidade-presépio.

Que os desesperados tenham seus corações apascentados.

Que os enfermos encontrem cura. 

E que todos nós, agasalhados sob seu manto,  possamos ser purificados nas águas sagradas do mar.

Vida, Doçura, Esperança Nossa, Sereia das Ondas, Rainha, Janaína, Senhora, Mãe, Iemanjá.

Traga-nos a paz.

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Festa de Iemanjá – Carybé
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Praia do Meio, Natal

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