29 de março de 2024
Memória

VIDA DE JOELHOS

 

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Sargento Maori (1944) – Russell Clark – Arquivos da Nova Zelândia


O sonho realizado foi muito além de tudo que podia imaginar o menino da cidadezinha sem desafios, nem futuro.

Ter sido convocado na apresentação obrigatória para o serviço militar, a maior de todas as pequenas alegrias na vida dura dos afazeres, no pedaço de terra que o pai ganhou do avô e certo de ser repartida com meia dúzia de irmãos.

A vida que tinha pedido a Deus, podia ser ainda melhor.

No bom desempenho das tarefas, o estímulo para ir mais à frente, e subir na vida, o fez Cabo.

Ser militar para sempre, este era o plano.

Muito estudo e um curso depois, o que imaginava o topo da carreira. Sargento.

Terceiro, como todos começam. A hierarquia seria respeitada, a seu tempo.

Auxiliar e homem de confiança dos oficiais superiores, instrutor e chefe de pelotão de uma dúzia de recrutas, fazia sentir-se também um comandante.

Em conversa camarada com um colega de patente, a sugestão para um trabalho mais tranquilo, com possibilidades de acúmulo de função civil.

Passando o veterano para a reserva, estaria vaga a melhor lotação de todas, que seria dele.

Para integrar  o Corpo de Saúde, mais um investimento. A reforma e a herança aguardariam a conclusão do curso técnico de enfermagem, para ser passada  para o mais moderno.

Em tão pouco tempo, a espiral de melhorias não parava. Logo, virou o instrumentador preferido dos cirurgiões.

Alguns, confiavam o auxílio nas operações que sempre pedem uma mão amiga,  a mais.

Pegou fama, o capricho como dava os pontos na pele.

Agora, o doutor tirava a luva antes do fim da cirurgia e saia do campo com a mesma despedida. Até o curativo, era com ele. Sozinho.

Conhecia o jeito de todos que operavam, quem era mais cuidadoso e os que tinham o azar dos maus resultados repetidos.

Quando começou a sentir as consequências das partidas de futebol, em atletas de fim-de-semana e sobrepeso, foram os joelhos que reclamaram mais.

O tenente ortopedista recém-chegado, tão novo e que também devia ter acabado de se formar, parecia querer fazer clientela rapidamente.

Ao ouvir as queixas do colega de equipe, ali mesmo, no estar-médico, fez o exame superficial, fechou o diagnóstico e indicou o tratamento. Cirúrgico e determinado.

Exames pré-operatórios sendo esquecidos e adiados, enquanto o atento paciente e observador da perícia do ás do bisturi,  fazia as observações técnicas.

Seus meniscos e ligamentos não se animavam a ser mexidos nem descruzados por quem se mostrava tão inseguro e com mãos ainda aprendizes das manobras mais habilidosas.

Esgotadas todas as desculpas, a ideia de procurar outro hospital mais especializado foi transformada em insubordinação.

E prisão administrativa.

Por incríveis dois anos que só não foram prorrogados pelo pedido de baixa, com direito aos soldos proporcionais ao tempo de serviço.

A carreira militar prematuramente interrompida, deixou uma certeza. A cidade grande era destino.

Nas muitas voltas que deu, encontrou seu meio de vida, por ironia, cuidando de outros articulações.

A rótula ainda avariada não impede o bombeiro hidráulico de ser mestre em tubos, conexões e joelhos de PVC.

           (Publicação original em 12/09/2020)

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Batalha de Cassino (1944) -Peter McIntyre -Arquivos da Nova Zelândia

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