VOVÔ DE PIJAMA
Antes de alcançar a idade para tirar carta de motorista, já surgiram os primeiros cabelos brancos.
E não foram poucos.
O apelido foi inevitável.
Com as cabeleiras nos mesmos tons, se bem que alguns, mais ralos, os amigos de sempre encontram motivo para o bullying que já foi mangação.
Não respeitam os grisalhos nem o pijama.
(Publicação original em 03/10/2019)
JOVEM PARA (NEM) SEMPRE
Melhor restauradora da auto-estima não há. A atividade física muda mesmo a vida das pessoas.
Sabe disso muito bem o professor que não tinha tempo pra quase nada.
Na juventude, atleta. Com o passar dos anos, foi trocando de esportes e aumentando os bebes e comes depois das práticas. Acabou fiel somente a um, na modalidade levantamento de murim.
Conhecido como administrador de resultados, por onde passou aumentou a produtividade e reduziu custos.
Transitou por águas e esgotos.
Aconselhou os anciãos da alta câmara.
Planejou a previdência de milhões.
Só não conseguia gerenciar como queria, o sobrepeso.
Depois dos mais estressantes cargos que um scholar pode ocupar na administração pública, na província e na corte, a volta à alma mater, para o coroamento da carreira de educador e formador de engenheiros.
Navegador de longos cursos, o repouso do guerreiro durou pouco.
Logo, resgatado do seu oráculo de Delfos, para mais uma vez emprestar sua expertise gerencial a outras justas causas.
E a aposentadoria foi ficando pra depois.
Como estivesse de volta ao primeiro emprego, aplica o que acumulou na vida acadêmica de mestre, doutor e pós-doc, com a mesma competência de sempre e uma única diferença.
Agora com outras prioridades. De quem é regido pelo estatuto do idoso.
Uma vida mansa, longe de problemas financeiros, filhos bem encaminhados, pede um ritmo mais pra valsa.
Sem pressa, tempo é o que não falta para recuperar a antiga forma física. Se possível, livre da barriga refratária.
Redescobriu nas caminhadas madrugadoras, o prazer da atividade física, das conversas jogadas fora, dos novos velhos amigos de infância e a sensação de voltar a sentir-se jovem.
Cavaleiro de rédeas curtas, sem outras intenções, passou a cuidar mais da aparência.
Um corte modernoso no que resta da cabeleira, branca desde os vintenos. A barba rente, sempre cuidada. Roupas de vitrine.
Devoto convertido aos suplementos, vitaminas, comida saudável, tudo que promete estender os tempos que restam e ao que recebe e encaminha nas redes sociais.
Adepto a tudo que possa prevenir doenças, tornou-se obcecado pelo estudos sanitários das arboviroses.
No alvo, a chicungunya. Alguns amigos fora de combate e a proteção pessoal com a decretação de estado de guerra total ao famigerado mosquito.
Repelente nas áreas descobertas e a cuidadosa barreira física das vestes compridas, o tempo todo.
Nas circunavegações do circuito oval da pista de caminhantes e corredores, a impressão que estava causando boa figura junto ao grupo das jovens atletas vindas em sentido contrário.
Elogios à forma física, mesmos os silenciosos e platônicos, são sempre bem-vindos.
A menos que o centro da atenção tenha sido despertado mais pelo invólucro do que conteúdo.
O comentário entreouvido por retardatário foi um sopro fatal no facho ardente do arrojado saradão:
-O que a velhice não faz. Aquele vovô deu pra caminhar de pijama.