VOZES DO PASSADO

Nos tempos de isolamento voluntário, muitos acreditaram que a História se repetiria.

Nas pesquisas domésticas, retratos instantâneos do desconhecido.

Fotos esmaecidas e manchadas pelo tempo.

Textos em linguagem arcaica.

E as mesmas emoções que os anos não conseguiram esgarçar.          

Quando tudo que se tinha de fazer era esperar a morte chegar.

E enquanto ela não vinha, rezar.                                      

Estórias dos sobreviventes. Contadas por eles mesmos.

A não ser por  uma ou outra descrição da agonia de familiar ou pessoa próxima,  as vítimas não deixaram registros dos seus testemunhos.

Foram os desafortunados. Sem sorte.

Sem defesas.

Sem imunidade.

Em tempos cibernéticos, a pandemia foi acompanhada on-line e a maior dificuldade foi digerir tanta informação.

Será que no futuro, alguém vá aprender alguma coisa com os dramas pessoais dos antepassados do século XXI?

Entenderão a gravação deixada pelo advogado carioca, em  isolamento num quarto de hospital que mais parecia hotel de luxo?

Seguindo o que devia ser feito, diabético e obeso, ao perceber que sua tosse estava mais constante e a febre persistente, procurou o melhor hospital do bairro de classe média alta do Rio de Janeiro.

Deixado, conforme tocante depoimento gravado, numa jaula onde os cuidadores não ousavam entrar.                       

Por dois dias não teve direito a nenhum cuidado de higiene pessoal. Nem ao que nunca negou ao seu cãozinho de estimação.

Um lugar  apropriado para aliviar o pipi.

Cansado de clamar por ajuda, registrou sua agonia em áudio.

Dois dias depois, seus familiares registraram em boletim de ocorrência mais uma morte atribuída ao coronavírus.

O vírus do medo.

 

(O texto revisa a publicação, Ouvindo vozes, de 29/3/20,)