GRANDES VINHOS: Leroy, o mundo e a nova sede do consumidor
Tem coisa no vinho que não cabe em número nem etiqueta. É memória, é teimosia, é o tempo que passa muito rápido.
E quando a gente fala em tempo, vale lembrar de Lalou Bize-Leroy, a mulher que, lá na Borgonha, no esplendor dos seus noventa e poucos anos, continua a fazer do silêncio da terra um grito de autenticidade.

Mas o bonito da história é ver como essa filosofia (de respeitar o chão, o ciclo e tudo mais que é invisível) começa a soprar pelos quatro cantos do mundo, até chegar aqui, nas terras quentes e brutas do nosso Nordeste.
O mundo gira, o vinho muda… ou será o contrário?
O mercado global de vinhos vive um tempo de virada. Antes, quem mandava era o número (pontuação, Parker, medalha, marketing).
Hoje, a conversa é outra: origem, pureza e propósito.
O consumidor agora quer saber quem plantou, como cuidou, de onde vem o cheiro de terra molhada que sente ao girar a taça. E é aí que nomes como Leroy continuam fazendo barulho. Porque enquanto o mundo corre atrás de novidades, Lalou segue no compasso da lua, do vento, das marés biodinâmicas.
Ela não planta pra agradar o mercado. Planta pra manter viva a alma da vinha.
Entre o hype e a herança

Hoje o vinho virou palco de tendências rápidas. Tem natural wine, pet-nat, orange wine, zero intervention… tudo embalado num discurso bonito de liberdade e autenticidade. Mas quantos desses vinhos têm raiz de verdade, como os que nascem de solos que respiram há séculos?
O risco é o modismo engolir o misticismo. Enquanto muitos produtores se vestem de natural pra ganhar curtida, Leroy segue fazendo o mesmo vinho desde antes de virar moda. Sem pressa, sem press kit, sem QR Code no rótulo.
A diferença está aí: uns falam de terroir pra vender, outros falam com o terroir pra aprender.
O luxo da escassez

No mercado global, há quem pague milhares de dólares por uma garrafa de Domaine Leroy.
E é fácil pensar: “vinho caro é só vaidade”. Mas o caro, nesse caso, não é preço… é valor.
É o custo de manter a pureza quando tudo pede atalho.
Leroy não produz mais porque não quer. Podia plantar mais, vender mais, expandir, mas não faria sentido.
Seu luxo é a recusa. O luxo é dizer “não” pro excesso. E isso, se a gente parar pra pensar, é a lição que o mundo anda precisando reaprender: fazer menos, mas fazer certo.
Nordeste do Brasil e Borgonha: quando o chão fala
Calma, não vou comparar a Borgonha fria e tradicional com o Nordeste do Brasil quente, árido e atípico, mas o fio condutor é o mesmo.
Aqui também tem gente que planta contra o impossível, que olha pro sol e diz: “é aqui mesmo que eu fico”.
Vinhos do Vale do São Francisco, do Morro do Chapéu, da Chapada Diamantina, são nomes que ainda soam pequenos, mas guardam a mesma ousadia que um dia moveu os primeiros borgonheses. Quem acha que estou exagerando não entendeu que não estou fazendo comparações, mas sim falando de autenticidade e respeito pelo lugar. Se esse ainda é o seu caso, tenho uma provocação para você: experimente o TESTARDI da Miolo, como o fez a Jancis Robinson. Na ocasião ela ficou impressionada com o belo resultado da vinícola em produzir um vinho de alta qualidade no sertão brasileiro, mais precisamente (pasmem), no paralelo 8.
Aqui estou falando mais uma vez do espírito do produtor que não se entrega. Da gente que trabalha a terra com fé e precisão, que entende que o vinho bom nasce de quem escuta a natureza e não de quem tenta dobrá-la. E talvez, nesse sentido, Lalou e qualquer outro produtor obstinado se entendam sem precisar de tradução.

-Mas Jaime, o TESTARDI não é um vinho biodinâmico.
E daí, pequeno samurai?! O assunto aqui é legitimidade. Se você quiser largar na frente, comece a observar brevidade nos rótulos dos vinhos. Eles dirão cada vez menos.
A nova sede
Os tempos mudaram. O vinho hoje está nas mãos de quem busca significado, não status.
É o casal jovem que abre um branco leve numa varanda e quer saber o nome da uva.
É o estudante que divide um tinto barato, mas quer entender por que aquele vinho fala diferente.
É o sommelier que troca o discurso técnico por uma conversa de olho no olho.
Essa é a nova sede: não de álcool, mas de sentido.
E quem entende isso, entende o segredo de Leroy: não se trata de produzir vinho, mas de guardar o tempo dentro de uma garrafa.
O futuro volta ao passado
Enquanto o mercado corre atrás de tecnologia, inteligência artificial, marketing 360°, há uma contra-corrente voltando pro essencial: o respeito ao solo, à biodinâmica, à história, à mão que colhe.

O mundo digital quer pressa. O vinho, não. O vinho quer tempo, e o tempo quer silêncio. É isso que faz uma garrafa de Leroy ou um tinto nordestino ousado tocar mais fundo que qualquer hype sei lá das quantas. Porque, no fim, o que todo mundo busca é isso mesmo: um gole que conte quem a gente é. E fim!
Epílogo desse humilde matuto pra quem ficou com sede
O vinho é uma desculpa bonita pra falar da vida.
Leroy só nos lembra disso com mais elegância e uma dose boa de teimosia. Enquanto uns correm pra lançar o próximo rótulo “instagramável”, ela cuida da videira como quem cuida de um segredo antigo. E talvez seja esse o rumo que o mundo vai ter de tomar de novo: voltar pra terra, pro tempo, pro sabor das coisas feitas com calma.
Porque, no fundo, todo bebedor curioso quer a mesma coisa: um gole que explique o mundo, mas que também o faça calar.
