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A IDADE DA INOCÊNCIA

 


Esta cova rasa em que está 
o fruto do desamor

em palmos medida

É a conta menor que tiraste em vida.

Nos versos violados de João Cabral de Melo Neto, algum dia, a menina capixaba vai entender tudo por que passou.

Amadurecida à força ou ao descuido, virou mulher aos seis e quase mãe aos dez.

O drama pessoal que ninguém há de ter certeza se é plenamente compreendido, virou mais um motivo de discursões extremadas.

A lei tão seletiva e clara, por omissão, não tendo podido ser cumprida onde deveria, só vogou a 2000 kms de distância.

E mesmo assim,  a polêmica ruidosa e insana não deixou de acompanhar.

Grupos de militantes e religiosos, prós e contras o aborto, reunidos na porta do hospital, em batalha de palavras de ordem e chavões, tentando interferir numa decisão já tomada por quem devia  e autorizada legalmente.

Não foi levado em consideração, o desejo da família e da vítima  que apressada no desenvolvimento hormonal, já é  capaz de ter a percepção das opções e dos perigos.

O abuso do estímulo sexual precoce, antecipando a menarca, traz outras consequências, igualmente dramáticas.

Querer que a gravidez de altíssimo risco siga, como se natural fosse, é expor a menina grávida a outros perigos, além dos já inevitáveis.

Com a menstruação adiantada,  o crescimento corporal para. A obesidade aparece e com ela ou por ela, vêm hipertensão arterial, diabetes e doenças cardiovasculares.

No Brasil, a cada mil partos, 70 são em adolescentes. E este índice mostra-se ainda mais cruel quando aponta que mais de 10% são meninas que apresentaram as primeiras menstruações.

A quase totalidade das famílias atingidas por esta tragédia social vivem em condições precárias, nas periferias das grandes cidades e já são por si mesmas, desajustadas.

O abandono é causa e efeito da  miséria.

A menina-mãe dificilmente continua na escola e quase sempre segue aumentando a prole, o abandono e a indiferença.

Sem oportunidades de melhorar de vida pela educação,  vai sobreviver no sub-emprego, quando não do sub-mundo da droga e do crime.

A sina é também ser avó precoce.

Quando a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves defendeu que a educação sexual dos jovens, além da distribuição de anticoncepcionais e preservativos, passaria a estimular a abstinência sexual, recebeu críticas e incompreensões.

Mesmo tendo revelado ter sido,  ela própria, uma vítima de violência sexual,  não deixou de ser ridicularizada.

Ao fugir da intolerância dos homens de pedra para encontrar  muito longe de casa, sua única chance, a mulher-criança é uma das muitas Marias retirantes que escaparam das tantas mortes Severinas.

***

Um ano depois, como vive a menina que teve de ser trazida de Vitória para o Recife, para um abortamento terapêutico?

A grande mídia perdeu o interesse no caso e no tema.

Fora da ideologia, a dor da gente humilde não sai no jornal.


Bruno Amadio (1911 – 1981)

Nas décadas de 70 e 80, o pintor italiano Bruno Amadio fez uma série de 27 quadros com crianças chorando, batizada de Gypsy Boys.

As telas foram assinadas com o pseudônimo de Giovanni Bragolin.

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