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A QUARTA ETAPA DE UMA INESQUECÍVEL E LONGA VIAGEM

Retrato de uma jovem mulher – Johannes Vermeer (1667) – Museu Metrpolitano de arte, Nova Iorque

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Julho de 2000.

Depois de muitos planos, estava começando a viagem dos sonhos da família.

Levaríamos os quatro filhos para quinze dias no Chile. Com direito a muita neve.

Malas prontas, vôo da Varig marcado para o início da tarde. Olívia que vinha sendo tratada de uma inflamação no olho, amanhece com secreção purulenta.

Levada ao colega oftalmologista Zé Rosendo, o diagnóstico: úlcera de córnea,  consequente a ceratocone.

Férias canceladas, o tratamento que substituiu a aventura nos Andes, transformou-se numa árdua guerra. Colírios e orações, as armas mais poderosas.

Uma semana depois, a perfuração da córnea e a indicação de transplante.

No início deste século XXI, cirurgia realizada em Natal, esporádica, artesanal e heroicamente, graças à abnegação de Marco Rey de Faria que apoiado pelos  colegas João Maria Monte  e Carlos Alexandre Garcia, conseguia entusiasmar jovens residentes como Uchoa e Bruno.

Depois de muito pedido a amigos das  UTIs e do ITEP, surge a chance.

O tio de outro paciente de Marco Rey fora assassinado, e se providenciássemos os exames, seriam realizados os dois transplantes.

A peregrinação pelos laboratórios só terminou com a lembrança do Hemonorte que resolveu o problema, graças a uma ex-aluna de Margarita que estava no plantão.

Cirurgia realizada ainda com direito a pernoite na clínica.

Seis meses depois, finalmente o Chile.

Olívia não viu o branco da neve.

O verão na Patagônia é uma explosão de muitas cores.

Setembro de 2011.

A Central de Transplantes realizou seminário e publicou plaquete com depoimentos de familiares e profissionais para marcar  a meta alcançada da  fila zero de córnea.

Que este relato pessoal e familiar sirva para lembrar a longa estrada que nos trouxe ao momento desta comemoração.”

Novembro de 2019.

54% das famílias potiguares recusam doar os órgãos de parentes com morte cerebral.

Quase vinte anos passados, com a córnea opacificada, Olívia está, de novo, na fila dos transplantes.

Se não ocorrerem novos atrasos nos pagamentos aos prestadores de serviços nem outros entraves burocráticos, o tempo estimado para ser chamada é de 14 meses.

Novembro de 2021

Dois anos e duas ondas de uma pandemia depois, os planos para o feriadão são alterados radicalmente.

O telefonema tão esperado avisou ter córnea disponível, com cirurgia marcada para a segunda feira imprensada com o dia de finados.

Na nova clínica, moderníssimos equipamentos, pessoal bem treinado e o mesmo exímio cirurgião. Sem exageros, Rey.

No dia de todos os santos, as preces foram ouvidas por muitos deles.

Deu tudo certo. Vai dar tudo certo.

Andrà tutto bene.

Moça com brinco de pérola – Johannes Vermeer (1665) – Museu Mauritshuis, Haia

 

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