15 de novembro de 2025
Memória

DIAGNÓSTICO PERVERSO

Théodore Géricault em seu leito de morte (1824) – Charles Émile Champmartin – Instituto de Arte de Chicago

Gregárias por natureza, de todas restrições na pandemia, do que mais reclamavram as pessoas, foi  do isolamento.

Jogar conversa fora revelava-se de tanto valor, que dificilmente,  os sobreviventes permaneçam ensimesmados.

E pobres em abraços, economizem também, aconchegos, proximidade social e calor humano.

Também  voltou à prática médica e à moda, o pronto e correto diagnóstico  no início de qualquer problema de saúde.

Em alguns casos, é o segredo do êxito do tratamento.

Todos os esforços para iniciar a terapêutica, tão logo apareçam os primeiros sintomas ou sinais, é a razão de tantos meses coloridos, depois que o outubro rosa e o novembro azul se espalharam pelo mundo todo.

Pesquisadores sempre em busca de marcadores, substâncias detectáveis, específicas de cada doença.

Muitos já receberam o Nobel de Medicina pelas descobertas que depois, desenvolvidas pela indústria transformam-se em prática clínica rotineira.

O mesmo não se pode dizer da conclusão que uma equipe de senhoras caminhantes matinais sem maiores rigores semiológicos,  em caso com prognóstico sombrio, apesar de apenas superficialmente analisado.

Por ouvir dizer, selaram o veredicto e a sorte do coitado.

Uma das facultativas, retornando  às atividades físicas depois de um longo período, já querendo logo se inteirar das novidades, da vida alheia e dos transeuntes.

Depois de ter se atualizado com a ficha  cadastral dos novos frequentadores,  com ênfase nas informações sobre a genealogia e atividade profissional,  perguntou se era mesmo quem pensava aquele sessenta e setão de passadas largas.

Confessou que teve dúvida no reconhecimento, daí o pedido de confirmação.

A palavra passa à outra painelista com jeito de  preceptora ou chefe de clínica, que bastante segura dos dados apresentados,  desenvolve seu raciocínio clínico:

“Viu como emagreceu? Está um caco. Anda caladão. Os cabelos parecem capucho de algodão.                          Nem a barba tira mais.
Já fechou até o consultório. Só pode ser aquela doença. Não dou três meses e ele nem consegue mais andar por aqui.”

É de se pedir um VAR-MED, uma sessão de revisão de caso clínico, ou um vivas corpus, a algum  amigo do amigo de um supremo juiz.

O último auto-retrato de um moribundo (1823) – Théodore Géricault – Museu do Louvre, Paris

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(Texto publicado há seis anos)

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