11 de novembro de 2025
Memória

MARGARIDA POR EXEMPLO

Noventa anos !

Parece que foi ontem !

A filha de João Mota e de Severina passeava e se banhava na sangria do Açude Velho.

Depois, logo cedo, foi transportada para Natal, onde conheceu as maravilhas de uma cidade grande, onde havia toda hora luz elétrica e água encanada.

Bonde elétrico que deslumbrava a vista da menina.

Lá passei pelos grandes eventos da humanidade.

A Intentona Comunista, a Segunda Guerra Mundial, três recessões econômicas, duas ditaduras e o que é mais importante e maravilhoso: a transformação do Brasil rural para urbano, embora de forma desordenada e violenta.

Logo cedo renunciei, reneguei o papel destinado às moças da minha geração; se preparar para ser uma boa dona de casa, uma mãe e uma esposa fiel.

Achava que podia mais.

E foi exatamente nesse poder mais que eu encontrei a grandeza de meu pai e de minha mãe que me deram a mão e deixaram que eu fosse atrás de meus sonhos.

No dia 22 de março de 1949, ingressava na Faculdade de Direito do Recife como uma das oito alunas de uma turma de 112 homens.    

Obviamente que não foi fácil, mas lá,  aprendi que a gente não pode nem deve esmorecer.                                  

E foi lá que  encontrei o amor da minha vida, que me fez renunciar de vez ao sonho distante de bater na porta do Instituto Rio Branco e dar ao Brasil a primeira embaixadora.

Voltei casada para minha cidade, Campina Grande, em 1954.

Aqui criei minhas nove filhas e consegui, como é do meu temperamento, me inserir na vida comunitária.           

Sempre achei que a sorte de criar filhos, ser boa esposa e ser mulher responsável era muito pouco.                          

Aqui encontrei espaço para desenvolver todo meu anseio, toda minha necessidade de lutar por um mundo melhor, por justiça social, pela inclusão de pessoas e foi aí que encontrei espaço na UEPB, Universidade Estadual da Paraíba, antiga FURNE – Fundação Universidade Regional do Nordeste e, depois, na UFPB- Universidade Federal da Paraíba, hoje UFCG – Universidade Federal de Campina Grande e na Secretaria Municipal de Educação onde eu tive e encontrei face a face a pobreza e a miséria da criança excluída do Sistema Educacional.

Durante dez anos lutei contra isso com o apoio inconteste de meus gestores.

Depois, fui novamente convocada. Nunca procurei tarefa, mas as tarefas sempre caíram em minha cabeça. E foi exatamente com o convite de duas pediatras, inclusive uma delas está aqui, que nós resgatamos a APAE criada há onze anos e que nunca tinha funcionado.

E a história da APAE está aí como vocês sabem.

Hoje continuo sonhando com um mundo melhor, sonhando com um mundo mais fraterno, onde todos tenham espaço, todos tenham vez.              Pode ser uma utopia mas não uma utopia no sentido do inatingível, mas aquela em que todos os homens se encontram e se dão as mãos, isso será possível.        

O momento é de agradecimento.

Agradecimento a Deus por ter me dado essa oportunidade; a meus pais que compreenderam a cabeça avançada da filha; a meus irmãos que me ensinaram a dividir porque somar e multiplicar sempre foi Deus quem fez.

A essa família maravilhosa; às minhas nove filhas; aos meus filhos criados e aos que recebi na forma de genros, meus netos e bisnetos que tiveram a paciência e a compreensão, mesmo aqueles mais ciumentos, de dividir com outros filhos que fui encontrando pelo caminho.

Hoje eu não sei quantos filhos e quantos netos eu tenho, mas à medida que eu passava pelo caminho eu fui colhendo corações, pendurando junto à família que eu já tinha e hoje são meus filhos tortos.

Quero dar o testemunho de que o amor é a única força que dividindo a gente tem cada vez mais.                           

É isso que eu sinto!

Pessoalmente quero agradecer também, neste momento, a Padre Rachid que conseguiu fazer com que a minha religião fosse encarnada, que eu conseguisse fazer do seu sermão a realidade  para a minha vida; a Padre Paulo, que toda segunda-feira me mostra a face de um Cristo amoroso que ama mesmo e apesar de todos os meus defeitos; e a esse amigo fraterno de mais de quarenta anos, Dom Genival Saraiva que tanto contribuiu para o meu desenvolvimento espiritual e profissional.

Temos uma longa estrada/história em comum: na Universidade, na Educação Infantil e Primária e no Conselho Estadual de Educação.

Enfim, a todos vocês que hoje fazem parte de minha vida.

Eu não queria citar para não incorrer em falhas, mas eu quero agradecer de uma forma muito especial à APAE, que me deu coragem para enfrentar a viuvez e estar aqui, ainda, cheia de sonhos, de vê-la livre e independente, atendendo a todos.

***

Notas

Discurso proferido no final da missa realizada pela passagem de seu aniversário de 90 anos, celebrada na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Campina Grande  em 30/09/2019

 O texto, transcrito por Fátima Coutinho, está no livro ‘Margarida por exemplo’, disponível no Kindle/Amazon

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