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Quando cabelo não é mero detalhe, mas racismo

O reality show Big Brother Brasil da TV Globo pode ser mai útil do que muita gente pensa.

Na noite da de segunda-feira, um chamado Jogo da Discórdia faz as vezes de uma reunião de condomínio para os participantes apimentarem as relações da casa, seja com críticas, elogios e reclamações.

Foi aí que entrou o desabafo do professor João, um participante discreto, que vem crescendo da disputa por movimentos equilibrados e coerentes.

A treta, como eles gostam de dizer, foi uma gozação do goiano Rodolfo (foto) ao comparar a peruca de uma fantasia de homem das cavernas ao cabelo crespo de João.

O fato disparou um gatilho, que só quem sofre os reflexos do racismo pode e deve mensurar:

— No sábado, aconteceu uma situação lá no quarto cordel em que estava eu, Caio, Rodolffo e Juliette. E eu estou dizendo isso aqui agora porque é um momento de muita coragem de poder estar falando, mas o Rodolffo chegou a fazer uma piada do monstro da pré-história com o meu cabelo.

Então, isso para mim tocou num ponto muito específico, porque o jogo pode ser sim de coisas que a gente vive aqui dentro mas aqui dentro é um jogo de respeito. Eu te daria mais umas quatro flechas (de jogo sujo) —disse ele.

O cantor goiano Rodolfo que fez o comentário racista negou a “intenção”;

— Cara, se todo mundo observou como que era a peruca do monstro acredito eu que é um pouco semelhante. Não tem nada a ver isso — disse.

O professor retrucou:

— Naquela hora lá dentro, eu me calei, não falei nada. Mas você não sabe o quanto que aquilo que você falou me machucou — rebateu João, já chorando.

— Não adianta vir com discurso que você não teve a intenção de fazer. Eu estou cansado de ouvir isso não é só aqui dentro, é lá fora também. Nunca ninguém tem a intenção de machucar, nunca ninguém tem a intenção de fazer as coisas com a gente — acrescentou.

O que para Rodolfo pode parecer mimimi gera dor em quem recebe a “brincadeira”.

Ele chegou a justificar a gozação com o cabelo do pai e a tia, que também têm cabelos crespos.

O que antes era mais divertido na escola quando pretos “podiam ser xingados” por brincadeiras que eram engraçadas para todos menos para eles virou causa séria, depois de anos deixando cicatrizes invisíveis nessas pessoas.

Não é que o mundo ficou “mimizento” e sem graça,  cheio de patrulhamentos.

É que pessoas sem chance de falar e serem ouvidas, finalmente, foram enxergadas e suas dores agora contam e conta muito.

Como chegamos a esse ponto “de evolução”?

Graças a lutas de chamadas minorias com uma conscientização coletiva  ainda engatinhando  e talvez por isso um programa de TV ainda gere tanta polêmica, discussão e surpresas.

Rodolfo hoje vai enfrentar um paredão para sair do jogo com essa propaganda nada edificante.

 E não merece ser cancelado por um erro,  que todos nós podemos cometer, mas parece que vai ter sua resposta num paredão da vida que não suporta mais quem erra e prefere persistir no erro.

Ele preferiu não aprender com quem pode dar lição  – com  teoria e  exemplo.

A discussão do professor com cabelo crespo zoado por um goiano “da elite agro sertaneja” é mais representativa do que possa parecer.

É um retrato sem retoques do Brasil polarizado que quando aflora um crime como racismo parece desequilibrar a divisão por um bom senso superficial e ainda inconsistente.

A lição do professor João foi clara e alta: tem que parar para ouvir, aprender, mudar, rever conceitos e preconceitos,  é não se apegar à visão dos homens das cavernas tão enraizadas nesse Brasil continental..

E nesse caso, somos todos alunos com uma  lição maior a aprender e vivenciar:  cabelo não é um  mero detalhe.

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