7 de novembro de 2025
Memória

UM DEDO NA DÉTENTE

Contra-almirante Sir Horatio Nelson (1799) – Lemuel Francis Abbot – Museu Marítimo Nacional, Greenwich, Londres, Inglaterra


Toda moda quando não começa, passa ou termina na
França.

Na política é quase a mesma coisa.

Se os franceses não são mais  protagonistas, continuam como inevitáveis  coadjuvantes.

Nos anos 70, o acirramento das relações entre Estados Unidos e União Soviética só foi abrandado com um toque francês.
Pelo menos na palavra-síntese das
  intenções, negociações e ações que afastaram o mundo de outra guerra mundial.

Détente.

Abaixo do equador, sem um Gorbatchov, fomos de Geisel.

Tão carrancudo mas muito mais arejado que seus antecessores, sentiu e assimilou os ventos internacionais.

Lenta e gradualmente, preparou a volta dos militares aos quartéis.

De onde só vieram a sair de novo, mais de 30 anos depois, sob comando de um reles capitão da reserva, com menos de dez anos de caserna.

Mas esta é outra história (ou será estória?) a ser contada pelas interceptações e vazamentos  de mensagens criptografadas em  aplicativos de smartphones.

Traduzida, a palavra-chave logo foi incorporada ao linguajar de  scholars, políticos, jornalistas e pinguços de botequim.

Distensão.

Como tudo que surfa na crista da onda, a atmosfera de liberdade era sentida do Leblon a Belfort Roxo. Das Rocas às Quintas.

Até mesmo no atendimento da clínica de luxo preferida pelos chics e poderosos da segunda capital federal.

Ex-Vice-presidente da República, o almirante de pijama que já começava a  trocar a frequência da Rádio Globo pela Tupi, foi internado na urgência e precisava de uma sonda para alívio da retenção urinária.

Material pronto.

O plantonista calça as luvas mas antes de pegar no,  digamos assim, instrumento, é interrompido pelo ajudante de ordens que se apresenta como tenente-médico.

Ordenando que apenas o professor-doutor poderia fazer o procedimento.

Ainda não tinha caído a ficha do ordenança mas naqueles novos tempos já auscultavam-se pela ruas, os estertores da ditadura.

E vice era vice.

Quanto mais, um ex.

O que explica plenamente, a contraordem do comandante em chefe da equipe médica.

Sem tempo nem paciência para certas exigências e a agenda do consultório  cheia de encaixes, a bexiga prestes a explodir teria que ser esvaziada pelo  jeune docteur.

Que aproveitou a ocasião e pra não deixar o serviço pela metade, foi fundo no exame da próstata da ex-sub-autoridade.

Capitão Robert Calder (1790) – Lemuel Francis Abbot – Galeria Nacional de Arte, Washington DC, Estados Unidos


Notas do Redator

1. O General Ernesto Geisel foi Presidente da República entre 1974 e 1979

2. Em 1974, sob o pseudônimo Julinho de Adelaide, Chico Buarque gravou a música “Jorge Maravilha”

3. À época diziam que “Geisel não gostava de Chico mas Amália, sua filha,  gostava”

4. Este texto foi publicado em junho de 2020 com o título Ex era Ex

Levy, Ernesto e Amália Lucy

Ouça a música:

Chico Buarque – Jorge Maravilha

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