UM HOMEM SEM H

Entre os jovens de hoje, é raro encontrar um fumante. De tabaco, pelo menos.
As campanhas de combate ao fumo foram vitoriosas. O hábito, antes associado ao prazer e ao sucesso, perdeu seu apelo. Não se vincula mais cigarro a charme ou poder — aquele glamour cinematográfico que embalava gerações foi substituído por novos valores.
Houve um tempo em que até atletas faziam propaganda das maravilhas das novas marcas. A fumaça era símbolo de status. De liberdade. De estilo.
Mas os tempos mudaram.
Quando for escrito o resumo final da pandemia, o cigarro aparecerá como um dos principais vilões. Um agravante silencioso que comprometeu pulmões já ameaçados. Aí, talvez, se dê o último trago.
Nos velhos tempos, comprar cigarros podia ser uma arte — especialmente no bar anexo ao salão de sinuca. Ali, além de dinheiro, era preciso ter pronúncia.
Continental e Astória passavam fácil. Até Minister. Bastava pedir.
Mas era só um desavisado tentar, com sotaque hollywoodiano, o vice-campeão de vendas, e corria o risco de sair com um fumo de rolo no lugar.
O episódio mais emblemático foi quando a Souza Cruz lançou seu cigarro mais sofisticado. Visando o público de maior poder aquisitivo, investiu pesado em propaganda. Cartazes com homens de smoking, mulheres de longos deslumbrantes e slogans que prometiam mais que um cigarro — um estilo de vida.
Só havia um problema: a pronúncia.
No salão, entre tacos e fichas, ninguém vendia se o cliente insistisse no “Hilton” aspirado. Como em Portugal, onde o esporte é “andebol” e o paraíso caribenho chama-se “Baamas”, naquele pedaço do mundo, o nome do cigarro era outro.
Só comprava quem pedia “Ílton”.
E aos teimosos, Seu Helano, o dono do bar, explicava com convicção:
— Por acaso, meu nome é Relano?

Notas do Redator
1. Lee Jeffries, fotógrafo nascido em Bolton, em 1971, tem reconhecimento internacional por seus retratos de tipos populares nas ruas do Reino Unido.
2. O texto foi publicado em 24/06/2019
