UM ANO, UMA VIDA
Quando menos se espera, acontece tudo que Mário Quintana viu.
E outras tantas mais.
Sem filhos (nem netos) o genial poeta gaúcho escreveu para os dos outros, como se amoroso pai e avô tivesse sido.
(Publicação original em 25/09/2019)
QUANDO CHEGAM OS ANJOS
Quando menos se espera.
Quando se pensa que depois de ultrapassado o cabo da boa esperança, a estrada é mais curta, estreita e de ladeira a baixo.
Quando o trabalho já não é tão estressante.
Quando o trabalho já não é tão interessante.
Quando o dia de parar vai sendo adiado, até que apareça outra ocupação que não nos deixe à toa.
Quando sobra tempo para as coisas que não fizemos nos tempos sem tempo.
Quando a igreja volta a ser visitada, menos por pressão e mais como investimento a curto prazo.
Quando os amigos mais velhos viajam sem avisar, deixando uma enorme saudade.
Quando os filhos têm suas próprias programações que não nos incluem.
Quando as viagens para os lugares nunca visitados, não deslumbram como antes.
Quando a rotina é marcada pelos horários dos remédios.
Quando as taxas dos laboratórios preocupam mais que as dos bancos.
Quando as despesas nas farmácias são maiores que nos restaurantes.
Quando as roupas deixam de ser as da moda e ficam mais confortáveis.
Quando a cabeleira branca não precisa (nem adianta mais) ser disfarçada em tanta tinta.
Quando as rugas que contam histórias não podem mais ser contadas.
Quando as estórias que contamos são ouvidas como velhas conhecidas.
Quando as lembranças ocupam a mente mais que os planos futuros.
Quando as noites começam e terminam mais cedo.
Quando o trânsito flui melhor de Über.
Quando um peixe grelhado vale por um boi.
Quando duas taças de vinho já são carraspana.
Quando se fala muito mais do que se pratica, aquilo.
Quando é tempo de fechar pra balanço.
Quando tudo valeu a pena.
É quando eles começam a chegar.
Bem-vindo, Gabriel.
Obrigado pela lembrança, Domício.