A SOBERBA E O DEPUTADO
O carnaval que não houve vai ser marcado por uma terça-feira gorda digna de entrar em retrospectivas e anais de ocorrências inesquecíveis.
O tempo dirá se tão lembrado quanto o da foto já amarelada por 26 anos, do presidente da república ao lado de uma modelo pretendente a atriz, descalça.
No primeiro ano da pandemia, sem desfiles nem apurações, o campeão de audiência foi um vídeo de produção doméstica de um deputado que a propósito de defender um general da reserva, criticado por memória publicada em livro, por ministro do mais alto tribunal, tornou-se um samba-enredo de exaltação à estupidez .
Muitos não percebem, mudanças acontecem. O Brasil também muda.
Igual estivesse, tudo teria acabado em cinzas como outras tantas extravagâncias das folias comandadas por Momo e Baco.
Quem sóbrio, sem flagrante delito de uma xixizada, ou número maior em via pública, sem ter passado a mão-boba na colombina, no retiro do lar, seria preso enquanto as cuícas ainda estivessem chorando, nas avenidas, o fim da folia?
Sem ressaca, sem recesso, sem expedientes enforcados, o processo andou. Atravessou a praça dos poderes supremos e obrou incrível milagre.
Quorum, poucas perorações, e votação rápida, sem corporativismo.
Num final de tarde de sexta-feira.
Será necessário mais de um comitê científico para explicar tanto fenômeno.
Os 31 mil cariocas que viram seu representante afastado e preso, não reagiram. Como fizeram com os outros eleitos que não cumpriram promessas nem mandatos.
As mesmas regras que elegem um candidato, à frente de outos 17 com votações superiores, valem para Chico e também para Daniel.
Cobrador de ônibus, cabo de polícia, bacharel em direito, deputado federal.
Trajetória que poderia chegar mais longe, se enriquecida com trabalho e pela virtude da humildade, interrompida bruscamente pelo vício mais primitivo de todos.
A soberba é a mãe da arrogância, da falsidade, da hipocrisia e de outros pecados menores.
Finalmente livre do anonimato que sobreviveu à performance da destruição de uma placa de homenagem fúnebre, é transformado em protagonista, por 15 minutos, de questionável fama.
A montanha de músculos anabolizados frustrou até os que se identificavam com o pensamento tíbio e torto de quem entra na história sem saber o papel a desempenhar.
Diferente do esperado, falou fino.
Não repetiu nada do que havia dito há poucos dias. Não mandou mensagem para admiradores, liderados e seguidores.
Seu declarado arrependimento soou falso.
A súbita modéstia não apareceu entre tantas grosserias presentes na peça da colega relatora.
Mais que vítima de orgulho desmedido, o deputado que logo terá o perdão do esquecimento, é algoz do próprio atrevimento.