UMA VIAGEM COM O SENADOR
Houve um tempo em que os políticos andavam de avião, sem medo nem constrangimentos.
Sem agressões, gritos nem xingamentos filmados e exibidos no jornal do horário mais nobre da TV, com dedos médios em riste. E em close, de encher uma tela de 60 polegadas.
O mesmo noticiário que identificou o assessor internacional da presidência da república em gestos supremacistas brancos, não se interessou em decifrar as origem dos protestos capixabas.
A pista e a análise das articulações envolvidas na linguagem dos sinais, foi menosprezada.
Das falanges médias sobre as proximais dos indicadores, anelares e mínimos que são habituais nos nordestinos da selva, diferente quando utilizadas as metacarpofalangeanas dos sulistas, costume trazido pelos europeus que não tiveram fôlego de chegar à Argentina do Presidente Alberto Fenández.
As viagens aéreas eram longas pelas escalas obrigatórias e perigosas para os tementes de pousos e decolagens.
Para compensar o período entre o amanhecer no trampolim da vitória e o por do sol na pauliceia desvairada, os passageiros eram submetidos a regime de engorda, com direito a open bar e ilimitadas doses de uísque, nas generosas medidas das aeromoças.
Congressos médicos quando dispensavam o sacrifício das consortes acompanhantes, tinha mais importância científica, se além da maratona de palestras, mesas redondas e cochilos nos auditórios, incluísse uma farra na ida. E outra na volta.
A 40 mil pés de altitude, no avião que quanto mais atrasasse, melhor.
As turbinas eram sempre reaquecidas nas conexões, e os tanques abastecidos em latinhas de cerveja. Tudo para espantar a paúra.
Azar de quem ocupasse a cadeira do meio, entre dois animados e falastrões colegas.
Mesmo quem nunca pôde reclamar que viajava espremido.
Por ter 60 quilos distribuídos em 1,88 de altura e o mesmo destino, em outro congresso, na última parada, na capital federal.
A figura longilínea, apelidada de mapa do Chile, presença constante na crônica política por tantos cargos importantes, não foi reconhecida, pelo dublê de Urologista e Prefeito de Goianinha.
O nobre senador, em seu último mandato, não teve paz para concluir o discurso que começou a rabiscar ainda com o pássaro de ferro batendo asas sobre o Capibaribe.
A insistência para compartilhar com os companheiros de romaria, o néctar de baco, foi atendida com o chacoalhar do gelo na mineral sem gás.
Na apresentação, o rico currículo de deputado, senador, governador e oito anos vice-presidente da república, só chamou a atenção pela passagem como Ministro da Educação.
O burgomestre do agreste não dava férias à luta pelas melhorias para seus munícipes.
Pediu ajuda em futura incursão administrativa. Ganhou um cartão de visitas.
Contou das dificuldades de circular nos labirintos do poder e na solidão do planalto. Recebeu a desculpa que um parlamentar da oposição poderia atrapalhar os contatos com o governo.
O quase adversário de Tancredo Neves na mais fatídica das eleições, ficou quase mudo, ao recolher a bagagem de mão, com a última tentativa vinda da etílica boca, já meio godê:
Senador, seu prestígio no MEC ainda dá pra descolar umas verbinhas pra minha cidade.
(Em memória de Marco Maciel e Rubens Lisboa)